31 de outubro de 2008

Subterfugindo

Sentada no no sofá começou a pensar que às vezes ficar triste faz bem. Na tristeza qualquer pormenor, qualquer espetada a leva a sentir as coisas com a alma. Como se criasse um misto de sentidos, como se a audição virasse tato e as bossas se fizessem novas, parecendo tocar o coração mais que o normal. Ouve-se Tom Jobim e parece que se está sentada no chão, próximo ao seu piano de cauda e deseja-se nunca mais levantar. Deseja-se ficar ali ouvindo sua voz baixinha, com o desejo de ser Luíza e, até mesmo, Lígia. Com o desejo de ganhar um samba-canção, um samba de uma nota só, um samba torto, pra realmente entortar os sentidos! É como se esse sentimento do tempo findo se sentasse ali no sofá ao lado, querendo dizer que "é impossível ser feliz sozinho"... Sente-se saudade de pessoas que nem conheceu, como a sensação de ganhar um afago do vento, de abrir um álbum de retratos em branco e preto e ficar buscando cores escondidas. Começa a indagar-se de que "pra quê tanto céu, pra quê tanto mar" e olhando pela janela da sala começa a acreditar que tudo lá fora é realmente uma inútil paisagem, começa a perceber que falta poesia na vida das pessoas e que realmente "é preciso inventar de novo o amor". O disco muda a faixa e subitamente entra Vinícius de Moraes pela porta. Ela pede então uma poesia em sua voz, pra mostrar pro mundo todo, pra ouvir naquele toca-fitas antigo e fica a clamar: "deixa, diz que sim pra não dizer talvez"! Sem respostas... Havia perdido a noção das horas e o disco acabara! Eis que ao olhar para os lados não viu mais o piano de Tom, nem as entradas do cabelo de Vinícius, eles fugiram. O motivo? Lá na rua, um carro passava berrando um tal de "late que eu tô passando". E num reflexo, olhou decepcionada para o calendário que marcava 31 de outubro de 2008.

25 de outubro de 2008

Agridoce


Soundtrack: Brandi Carlile - The story

Descobriu que não precisava de um olhar apaixonado, descobriu que às vezes bastava se olhar lá de longe, se olhar de rabeira de olho, se olhar escondido por detrás de um muro com um pequeno buraquinho feito pela saudade. Descobriu que podia nem olhar, se quisesse. Descobriu que podia ter a vontade de ficar calada, de andar sozinha, de sorrir por outros motivos, de deixar as coisas correrem paralelas. Descobriu que não era preciso temer o tempo, o consumo das horas de solidão, que não era preciso se ver motivo em tudo, que nem sempre tudo volta, mas nem sempre tudo se vai também. Descobriu que podia ir embora sem tchau, sem beijo e podia dormir sem um toque de mensagem. Descobriu que ao abrir a gaveta também se podia sentir cheiro bom e que era necessário apagar algumas marcas de grafite para começar certas manhãs. Descobriu que podia se pactuar por meio de músicas e ao ouvi-las nem sofrer, que podia não sentir falta de andar de mãos dadas. Mas a maior das verdades se fez naquele dia em que descobriu que o descobrir põe tudo à vista sim, mas só vê-se o que se quer (pelo menos, com os olhos da alma)! Descobrimento não é querença. E, sendo assim, ela não quis aceitar todas essas verdades descobertas... Preferiu ficar com algumas mentiras, que ao menos se faziam fiéis ao seu coração. Continuou embrulhando os sentimentos em papel celofane e dando a ele. Por algum tempo foi assim, até que morreu de amor. Um minuto de silêncio pela garota agridoce...

21 de outubro de 2008

Pranto que vale uma ilha


Soundtrack: Joshua Radin - What if you

"É difícil dizer a verdade, pois existe apenas uma verdade, mas ela é viva e, por conseguinte, tem um rosto que está sempre mudando."

Kafka em "Cartas a Milena"

Milena, doce Milena, deixaste de ser a musa passada de Kafka e te fiz minha musa. Mas hoje quando acordei, confesso que não pensei em você. Pela primeira vez nessas últimas semanas, pensei em mim. Na verdade já fui dormir com essa sensação: voar sozinho. Ontem ao andar pelas ruas dessa cidade suja, olhei para todos os lados em busca de sua face menina e pude então descobrir que numa certa época da vida todos temos que jogar fora um pouco de amor. Como o pipoqueiro que olha para os lados e não acha quem compre sua pipoca. Então no outro dia o que ele faz? Joga a pipoca fora e começa tudo de novo. Qual o problema? Não há problema, ora! Mas nesse caso, Milena, você jogou fora todo seu amor e não quis me avisar. Não avisou que sua pipoca era nova... E eu comendo o piruá. Agora chegou minha vez de jogar um pouco fora tudo isso que tem doído os dentes na hora de morder.
Vou comprar uma ilha e esse é mais um dos motivos para te escrever essa carta. Eu sei, você dirá que está fora da estação, que é mais cara nessas épocas, mas vou comprar mesmo assim. Isso você sempre fez bem, mesmo que não me amasse mais, sempre conseguiu cuidar bem desse homem aqui. Vou para essa ilha, ficar por lá algum tempo até que consiga lembrar como ser alegre novamente, até que consiga hastear uma daquelas bandeiras para minha nova pátria: ama-me ou deixa-me. Por hora, digo que o sentimento que invadiu meu peito foi o melhor dos últimos dias. Talvez só agora eu esteja sentindo o que você sentiu desde não sei quando. Ah, chega a até cansar o coração, não é?! Estou pensando em vários planos: quero andar descalço, escrever poemas por lá, ouvir o tilintar só do meu copo com uma bela garrafa de vinho, fazer uma casa e depois pintar de vermelho. Enfim, talvez nem sempre mande notícias, mas sempre mandarei um poema nem que seja dizendo que tenho saudade do nosso futuro. Afinal, tudo que se ama é um pedaço do nosso ser. Talvez um dia, Milena, você aprenda-me, você me chame, você conjugue-me. Agora, ouço Noel Rosa e ele canta para mim que "quem acha, vive se perdendo". Estou indo me achar, me perder, te perdi. Estou aqui para dizer: adeus, moça bonita!

15 de outubro de 2008

Pra sentir falta, sem falta!

- Doutor, o que é pra ser feito no coração dessa jovem?
- Colocaremos uma proteção... À prova de mágoas, saudades e indiferença.
- E no coração desse jovem ao lado dela?
- Não sei o que fazer só olhando-o assim por fora. Me parece tão calmo, como se nada o afetasse!
- Certo, doutor Tempo. Por onde começamos?
- Eles estão com as mãos unidas?
- Sim. Um em cada maca, mas com uma das mãos dada ao outro.
- Hum! Comece separando-os.
- Mas doutor, eles disseram um ao outro que não iriam se distanciar.
- Faça o que eu disse.
- Certo. E agora?
- Leve-a daqui...
E assim que o enfermeiro Destino foi levando a garota para longe do garoto, o coração dela entrou em disparada e ainda que desacordada, as lágrimas banharam seu delicado rosto...
- Doutor, o coração da menina disparou!
- Apenas leve-a embora.
- E quanto ao rapaz?
- Deixe-o aqui comigo. Ainda não reagiu! Vai demorar para sentir que ela se foi. Mas depois que sentir, aí sim eu saberei o que fazer no coração dele.
- E qual o nome dele?
- Escreva aí: Sozinho da Silva.

11 de outubro de 2008

Primavera para canhotos


Soundtrack: Ingrid Michaelson - Keep breathing

Ultimamente me tornei canhota. Tenho usado mais meu lado esquerdo em meus afazeres... Se pensas que tenho escrevido com a mão esquerda, se engana! Tenho utilizado meu coração. E não só porque hoje, ao caminharmos, nossa sombra já não se faz mais uma. Uso meu coração hoje como sei que você também faria. E usando meu coração, faço o que posso pra te entender, mas deixe que eu te ame. Deixe que eu não te ame, ainda que por alguns momentos. Deixe que eu me sinta feliz só por estar ao seu lado. Deixe que eu não queira estar ao seu lado, por não poder me mostrar por inteira. Deixe que eu pense que tinha que acontecer. Deixe que eu não queira assim. Deixe que eu te aceite como cobertor, como neve gelada. Deixe que eu te queira em tudo que você ainda se faz ausente...
Uso meu coração hoje para te falar por palavras. Uso meu lado esquerdo para te sentir, viver... Pois não há porque se colocar uma pedra nos meus sentimentos. Da pedra, logo nasceriam flores, afinal, é primavera. E pra quem realmente tem o coração do lado esquerdo, todo dia é!

6 de outubro de 2008

Morar-te


Soundtrack: Goo Goo Dolls - Iris

Hoje o sentimentolices deixa de lado suas tolices e se enche de sentimento puro e verdadeiro. Hoje e não só hoje, as lágrimas caem sobre meu rosto e, ainda que incessantemente, não me lavam. Hoje não se fazem personagens, não se caem máscaras, não se bastam finais felizes. E quem dera se como nos textos desse blog, na vida também bastasse escrever. Escrever eu faço bem, escrever é fácil. Juntar palavras sobre o que as pessoas gostam de ler é simples, tá na alma. Mas na vida não é assim. Na vida é mistura! Sentimento, vontade, derrota, sonho, tudo isso pra se viver.
Uma coisa que nunca fiz bem é esquecer. Assim como acho que esses textos daqui os tocam daí, as coisas do mundo facilmente passam a fazer parte de mim e neste exato momento, mesmo com tanto conhecimento, com uma vida em que não há do que se reclamar, me sinto só. Faz tempo que não me sinto assim. Acho que a ultima vez foi quando minha mãe saiu no meio da tarde e eu dormi ajoelhada na beirada da cama, esperando ela voltar. Quando acordei, ainda ajoelhada, a casa estava escura e eu achei que tinha passado dias ali dormindo. Achei que tinha ficado sozinha! Mas alguns minutos depois minha mãe saiu do meio da escuridão dizendo que não teve coragem de me acordar. Ela voltou. Mas nem sempre os outros voltam.
Nessa história que aqui conto hoje o verbo de entrada é o "tornar-se". É não imaginar que as coisas chegam a tomar tão grande tamanho, não imaginar que, ao mesmo tempo, você se torna totalmente diferente pro outro. Assim como a folha "torna-se" seca, o "tornar-se" é impossível de impedir. E no final, só existe um culpado e o nome dele é tempo. O tempo que passou rápido demais, o tempo que faltou, o tempo que deixou a saudade.
Hoje me sinto mais parte desse blog, minhas palavras não me abandonam. Hoje reconheço que ver alguém, não é só olhar! Hoje reconheço o poder da palavra: passado. Mas não reconheço ainda o "tudo passa"...
Pra você, não é necessário enrolação, por isso termino com o verbo do final de toda essa história de hoje (e se posso dizer, de sempre): amar. Amar você, o suficiente por nós dois...