Soundtrack: City and Colour - Little Hell
As pessoas
dizem que amar é ter interesse na vida do outro. Enquanto isso, perguntam
desconfiadas: o que você fez de bom naquela noite em que não atendeu ao
telefone no segundo toque? Para mim, amar
é somente ter interesse. Sem saber no quê, amamos profundamente quando
simplesmente ouvimos o outro contar cada detalhe daquele diálogo que ouviu na
fila do banco ou de uma briga com um telemarketing, com o chefe, com a vida. Amar
é tomar a decisão de ouvir, é também poder entender, também querer desconfiar e
logo se lembrar de que amar também é uma escolha. Amar profundamente é conseguir
chegar aos fatos com a delicadeza de um primeiro beijo, a
ponto de que o outro não precise sentir a obrigação de atender ao telefone no
primeiro bip e sim que ele queira atender o mais rápido possível, mesmo no meio da
correria, para somente ouvir você dizendo aquele oi. Para fazer de uma única
palavra uma rede na praia, no meio de um dia cheio de coisas ou somente cheio
de nada. Amar é saber a hora de
desligar, de não precisar saber mais, de dizer tchau, de guardar aquela curiosidade
provocativa na gaveta. É saber a hora do profético “então tá bom”. E isso não é permissividade. É proximidade, é a própria fidelidade em palavras!
Mostramos
o verdadeiro interesse no que demonstramos implicitamente... Como fazer de um "boa
noite" ou um "como foi o seu dia" despretensioso, um convite para sentar e tomar um vinho ali
mesmo, pelo telefone ou no meio do trânsito. Somos egoístas quando nos achamos no
direito de nos interessar pela vida do outro buscando respostas somente naquilo que parece gerar curiosidade em nós, numa espécie de conquista de uma mão só. Ficamos feito criança
desbravando um tesouro de pirata que o vizinho disse existir no quintal, cavando por
desconfianças que nós decidimos criar e que nem sabemos se realmente podem existir.
Amar é se interessar pelos
dois, é não precisar cavar fundo por respostas que chegam, é querer estar ali,
não aceitando tudo e também não desconfiando de tudo. Amar é o interesse pelo que se é quando está
junto e pelo que se quer ser quando está distante. É o próprio interesse, não pelos detalhes espaçados da vida do outro e sim pelo outro em sua vida, pelo espaço necessário para se conviver e pela arrebatadora dúvida que é o amor... que é amar.