Soundtrack: Glen Hansard - All the way down
Essa carta não será demorada, só se faz necessária, porque alguns bons meses já se passaram desde que nos falamos pela última vez. Hoje, depois de tanto tempo, decidi mexer em algumas coisas tuas que ficaram aqui, alguns presentes, na esperança de ver tudo e não sentir nada. Bobagem! Ainda que eu encha meus dias de mantras, te chamando de infantil... Ainda que eu arranje mil ocupações durante a semana para não pensar em você... Não consigo esquecer de nada. Tudo que eu queria era ter você, infantil, andando por aí de mãos dadas comigo. Sabe? É como se as lembranças fossem papéis na parede e quando eu decido tirá-los de lá, eles saem, mas as fitas adesivas continuam coladas. E o perigo de também tentar arrancá-las é que posso estragar a parede. Assim é com a nossa história! É como se eu tentasse tirar você daqui de dentro do peito, mas tivesse medo de ficar com o coração estragado, como a parede. Então te deixo aqui, passo uma camada de tinta para disfarçar o defeito, mas fica mais feio ainda e mais visível.
Isso tudo ainda é muito estranho para mim. Me pego pensando em você nos momentos mais imprevisíveis, como quando vou tentar abrir um saquinho de catchup. E começo a me questionar de como você possa estar. Se você continua mordendo os copos de plástico nas festas quando tem vergonha, se você ainda gosta de usar meias brancas, se ainda usa a camisa que eu te dei. Se você ainda faz aquelas aulas de inglês a noite, que te cansam tanto, se continua nadando e lendo poucos poemas. Não sei se ainda é azul sua cor preferida, se aprendeu a dançar forró, não sei se ainda me ama, ainda me quer. Não sei se ainda chora ouvindo nossas músicas... Não sei se sou eu, não sei se é você. Só sei seu endereço e por isso mando essa carta, pois nem olhar no teu rosto, sem tremer de angústia, eu consigo. Enfim, eu nem precisava de tantas palavras. Não espero notícias, nem você eu espero mais... Já me acostumei a esse silêncio, sem tua risada, sem tua voz. Esse silêncio que fala, que me manda ter saudades, mesmo sem nenhuma mensagem na caixa postal. Bem, só queria te dizer: feliz natal!