21 de dezembro de 2010

Tributo a 2010


Soundtrack: Maria Rita - Encontros e despedidas

Hoje falarei sobre isso que chamamos de final de ano. Momento crucial de reflexão, em meio às luzes de nossas árvores e o sempre simpático "feliz natal" ouvido após o tchau. Tenho amigos que insistem em não gostar do natal, por pensarem se tratar de um ritual besta qualquer em que você ganha presentes e come pra valer. Eu, sempre considerei muito mais o natal do que o ano novo como data de renovação. Trocar o calendário não se faz mais especial do que refletir no dia do bom velhinho, na minha opinião, claro.
Minha família nunca foi de se reunir muito nos natais, talvez porque ela seja pequena e cheia de picuinhas internas. Mas em casa, temos um carinho especial, entre nós 4 (eu, meu pai, minha mãe e minha irmã) pelo momento em que o relógio marca a chegada do natal. Minha irmã sempre se responsabiliza pelas preces e quando mais nova, eu sempre pensava quanto tempo ela teria pensado pra conseguir falar tudo aquilo tão bem. Tentava imaginar como ela conseguia descrever um sentimento que virava voz, entrando pelos nossos ouvidos e iluminando os olhos dos meus pais. Tinha orgulho daquele momento, mas nunca soube muito bem o que dizer. No final, minha vez era sempre recheada de enrolações do tipo "o ano foi bom, espero que o próximo seja melhor ainda". Ontem, antes de deitar, fiquei olhando a lua bem cheia e tentei me dar conta de tudo que aconteceu esse ano. Impossível fazer um balanço de cada momento, mas de um modo geral consegui visualizar algumas das coisas que poderiam descrever o meu ano de 2010. Fiz amigos incríveis e descobri que a distância demole amizades mal resolvidas. Uberaba me apresentou amigos de farra e amigos de casa. Briguei com meu vizinho de baixo por barulho e briguei comigo por barulho interior. Descobri locais estratégicos de fuga da realidade e descobri novas casas pra morar. Bebi, bebi muito. Tive ressacas físicas e morais, por mim e por outros. Me apaixonei, achei que apaixonei, desapaixonei. Descobri que tenho a séria necessidade de contestar o que pode ser e que tenho preguiça de pessoas que não causam isso em mim. Tenho preguiça de quem não me faz criar planos, seja para os próximos dez minutos. Muito além do diálogo clichê de "odeio gente morna", eu descobri ter preguiça de gente que não causa em mim o sentimento de reboliço interior. Mas 2010 também me trouxe perdas. Perdi gente, perdi carinho, perdi contato. Perdi algumas passadas de mão na cabeça e passei a encarar algumas coisas com o espírito de solidão acompanhada. Sempre acho que falta algo e esse ano tentei fazer minhas própria argamassa pra completar meus buraquinhos. Abandonei a idéia de tentar encaixar pessoas onde elas não cabem e simplesmente comecei a esperar a chegada de alguém que caiba. No quesito faculdade, me confundi bastante. Pensei gostar de coisas que, agora no fim, olho e vejo que ainda não sei como lidar. Dei plantões no hospital. Vi gente saudável fazendo drama, gente doente por dentro e por fora. Criança prematura, faltas de escolhas, faltas de opções, meninas grávidas e solteiras. Criei em mim um teto de vidro, fácil de quebrar, mas totalmente feito pra se tornar uma redoma, separando o que penso do que realmente é. Tive muitos desses sentimentos de que não valorizamos o que temos nas mãos e nos enfurnamos no nosso mundinho, sem saber que existe muita coisa fora da redoma. Tive lapsos de não saber se estava no lugar certo, na hora certa. Tive medo, fui egoísta, fui humana. Tive dias enfiados em pensamentos do que fazer da minha vida nos próximos anos. Tive dias enfiada na cama com preguiça de ir às aulas chatas. 2010 se encheu de dias pesados em contrapartida aos dias leves e aprendi a dizer não para algumas coisas e pessoas. Esse ano fui eu mesma por muitas vezes e deixei de ser eu, evitando conflitos. Fiz 19 anos e me dei o direito de me achar madura por alguns momentos. Senti saudades de casa quando estava em Uberaba e senti saudades de Uberaba quando estava em casa. Descobri que as pessoas não são sempre iguais e eu também não. Aprendi a gostar de açaí e até comi maionese sem saber. Esperei por coisas maiores que eu e tive coisas menores que um alfinete. Não esperei nada de pequenas coisas e elas mal couberam nas minhas mãos de tão grandes no final. Aprendi que algumas coisas devem simplesmente ser ditas, sem burlar a auto-estima de ninguém, mas que sinceridade tem dose certa. Cheirei muita fumaça dos carros, fugi do mundo, fiz do meu quarto um abrigo. Passei mais um ano sem experimentar um cigarro e sem a mínima vontade. Escrevi muito, seja coisas que guardei pra mim ou que mostrei a todos aqui nesse blog... 2010 confirmou a idéia anual de que nunca é fácil se viver 365 dias lidando com alguém cheio de defeitos e qualidades, que no caso sou eu. Mas comprovou mais uma vez que tenho vários modos de viver 365 dias acreditando na mudança, não só da lua lá no céu.
Gosto do Natal porque não me importo com que cor de roupa usar, não acredito que o que eu escolher influencie no que venha. Paz, amor, felicidade, dinheiro... Todo mundo deseja isso e que se foda a cor da sua roupa. Quando a gente quer, a gente corre atrás. E sempre temos o direito de esperar algo maior. No final, todos chegamos ao mesmo ponto: para cada dia temos um destino feito de escolhas, não importando o ano, nem se é páscoa, natal ou o dia de lavar a louça suja.
Feliz natal a todos e um feliz ano novo, cheio de novos amigos, buracos incompletos, pouca maionese e muitas escolhas!

8 de dezembro de 2010

Rua Nós



Soundtrack: Tristan Prettyman - Hello!

Hoje queria de jeito despretencioso te chamar pra tomar um suco de acerola. E te vendo passar pela rua, fingir não ter nada pra fazer e simplesmente falar "vem aqui, um suco vai te fazer bem". Enquanto eu quisesse dizer "vem aqui, um suco com você vai me fazer bem". E então ficaria olhando como suas sobrancelhas são lindas e o jeito com que elas se mexem enquanto você fala. Mais uma vez fingiria não ter nada pra fazer, tendo o seu sorriso como a única coisa bem feita daquela tarde nublada. Eu ouviria tudo que você quisesse dizer e então você comentaria que estava com vontade de tomar um café. E balançando a cabeça, concordaria com meu olhar mais confortante. Você não entendendo nada, perguntaria se eu também queria o café. E segurando um lábio no outro pra não dizer que eu queria você, me perderia nos seus olhos que mudam de cor, falando que um café seria ótimo pra dar uma acordada. E rindo da minha falta de jeito você olharia pro seu tênis sujo, preparado pra dizer algo que te deixaria sem graça. Você diria que eu sou engraçada. Que falo coisas diferentes, mas que sou legal. E não sabendo se aquilo pudesse ser bom ou ruim, eu diria a típica frase: espero que isso seja bom, né? Risinhos medidos, olhares desviados. Um silêncio de uns doze segundos, vendo os carros passarem na rua. Começaria a me questionar, vendo seu rosto de lado, olhando a sua pinta, se isso é certo ou errado. Se é pecado te convidar pra tomar um suco de acerola que vira café, enquanto na verdade você me tomava ali mesmo. Mas nada seria tão errado que não pudesse caber no espaço que sobra todas as noites na minha cabeça, antes de dormir. O que eu quero é tão simples, muito mais simples que ficar te olhando, ouvindo sua voz rouca, sem você ser meu. Sendo castigada com seus dentes brancos e com a sua mania de ficar olhando no relógio. Pensaria eu, que era pressa ou que eu pudesse estar sendo chata e então faria uma piada do tipo "seu apressadinho", na esperança de você dizer "não, eu nem tenho nada pra fazer mesmo". O que eu quero é simples, é você. E mesmo se eu tivesse muita coisa pra fazer, largaria tudo se te visse mesmo na rua. Eu trocaria mesmo o suco de acerola pelo café. Assim como trocaria as roupas de cama, arrumaria a casa, o coração, tudo. Trocaria meu travesseiro pelo teu peito e o barulho dos carros lá fora, por músicas misturadas às batidas do seu coração. Saudável, sem dores, sem maldade, ali, simplesmente batendo no meu ouvido antes de dormir. Trocaria as direções, nos vendo andar na mesma calçada, no mesmo rumo, num destino só. E trocaria qualquer vazio que fosse, pelo vão que sobra entre nossas mãos enquanto enlaço teus dedos. Hoje queria que fosse mais fácil te achar andando por aí, mas sento na lanchonete e sozinha tomo um suco de acerola, enquanto você não aparece para que eu troque por um café. Enquanto você, aí de longe, mexe comigo aqui dentro e me faz esperar por outra lanchonete, outra hora, outra rua que possa ser a nossa. Rua Nós.

29 de novembro de 2010

Porquinho rosa de vidro



Soundtrack: Los Hermanos - O Vento

Quando criança ganhei um daqueles cofrinhos de vidro. Era um porquinho rosa, que veio acompanhado das frases do meu pai: esse cofrinho é pra que você aprenda a poupar e assim, quando um dia te der vontade de quebrá-lo, possa ver o quanto conseguiu guardar. Lembro que ele me disse que guardando as coisas lá dentro, um dia eu teria um saldo positivo. O tempo foi passando e a cada dia eu sentia que meu porquinho ficava mais pesado. Eu fazia massagens na minha irmã por 25 centavos e lavava as louças por 50 centavos. Minha avó era uma contribuidora forte, sempre que me visitava levava algumas moedas, que se uniam aos trocos das compras de verduras da minha mãe. O tempo foi passando e acabei esquecendo do cofre. Um dia, já mais velha, achei o presente do meu pai bem no fundo do guarda-roupa. Pensei em quebrá-lo e foi então que me veio uma idéia. Já pesado de moedas, eu não queria mais que aquele cofre guardasse dinheiro e decidi começar a depositar pedaços de papéis lá dentro. Cada papel teria algo que eu aprendi e o nome de quem me ensinou. Era uma experiência construtiva, eu me sentia na urgência de guardar tudo aquilo pra mim, mesmo que fosse dentro de um porquinho rosado de vidro. E continuei com esse ritual, até o dia em que já não cabiam mais papéis, o que sinalizava a hora de quebrar o cofre. Criei coragem, quebrei. E então vendo os papéis misturados às moedas pratas, douradas, velhas, usadas, cheguei a conclusão de que tinha um tesouro na minha frente. Muito além de uma brincadeira de criança, passei a imaginar por quantas mãos tudo aquilo passou até que chegasse em mim, assim como por quantos ouvidos tinham passado as frases que se guardavam nos pedaços de papel. Me dei conta de que meu cofre era como uma vida. Vamos ficando velhos, gastos... Vamos simplesmente passando pelas mãos das pessoas, se não passamos a perceber que sempre teremos o mesmo valor. Mesmo quando guardados lá no fundinho do guarda-roupa de alguém, no final, sempre seremos nós e teremos o valor que nos damos. Valor tal que vem escrito na nossa moeda e que não aceita pechinchas, nem fiado. No fim, todas essas moedas encontram alguém, mesmo que se demore para quebrar o cofrinho e começar a espalhá-las por aí. No fim, são como as frases que a gente vive guardando, escrevendo nesses papéis que montam corações de origami. Guardamos tudo, em letrinhas miúdas, letra bonita ou letra feia. Guardamos e não dividimos. Esperamos alguém quebrar o cofrinho para que tenhamos coragem de repartir. Talvez seja medo de não sermos capazes de ajudar alguém a montar um origami tão bonito aos olhos do outro. Talvez seja preciso se misturar aos cacos, seja preciso doer e acabar se machucando para que se veja que está nas nossas mãos montar o origami mais bonito, aos nossos olhos. No fim do dia, cheguei à conclusão que meu pai tinha uma ótima intenção, mas cofrinhos não funcionavam comigo. Cansei de me poupar, passei a querer tudo exposto. Não adianta me pedir pra guardar as coisas em busca do saldo positivo. Gastei todo o dinheiro comprando um cd dos Los Hermanos e muito, muito papel pra escrever. Passei minhas moedinhas pra frente, assim como passo a frente, no meu cofrinho aberto, tudo que sinto e aprendi. Esse é meu saldo positivo. Fica a lição do porquinho rosa: não adianta se poupar quando se é moeda circulante, quando se tem um coração origami cheio de coisas pra falar. E essa sou eu, pai.

21 de novembro de 2010

Entre duas mãos



Soundtrack: Colbie Caillat & Jason Reeves - Droplets

Escrevi seu nome num guardanapo de bar. Escondida num sorriso amarelo, fingi estar só brincando com o papel. Dei três dobrinhas e pus entre as duas mãos, como se te protegesse ali dentro da minha conchinha. Enquanto todos falavam, guardei teu lugar na cadeira ao lado com a bolsa. Não querendo bancar a louca, mas acho que eu esperava uma daquelas mágicas em que você pudesse aparecer. Entre um sorriso e outro olhei o celular. 21:48. Então, veio o garçom com aquele tom de voz que todos eles parecem ter, sempre acompanhados do "e aí, o que vocês vão querer?". No fundo, todos eles sabem o que nós queremos. Entramos nos bares, pedimos a cerveja, damos risada, ouvimos música e reclamamos de pagar o couvert. Quando queremos mais cerveja, só tiramos a garrafa do protetor e o garçom começa a encher o papel da conta de risquinhos, até ficarmos todos alterados, aumentarmos o volume da risada e elegermos alguém bom de matemática ou menos bêbado pra cuidar da conta. Só que quando ele questionou o que todos queriam, uma resposta comunitária foi contra o que eu pensava. Todos queriam cerveja. Eu quis pedir você. Mas só consegui descansar os cotovelos na mesa e ter um copo na mão. Historicamente, eu era a imagem de alguém tentando ser feliz sentada e sem poder fazer nada. Me levantei e fui ao banheiro, com minha carga de lamentações nas costas, esperando jogar tudo num vaso e sumir pelo ralo. Como num desfile, o espelho do banheiro estava tomado por várias meninas sorrindo e passando batons rosados, daquela nova moda "cor de boca". Em meio àquelas roupas e seios grandes apertados nos decotes, só consegui meu único sorriso amarelo. E esse foi por não poder dividir da minha esquisitice contigo. Não lamentei abrir a bolsa e dar de cara com um livro do Saramago ao invés de um batom. Também não guardei o espaço na cadeira para alguém que só gostasse de seios grandes. Lembrei do jeito com que você falava dessas coisas fúteis, mas confesso que pensei se numa hora daquelas você não estaria borrando uma daquelas bocas rosadas em outro lugar, sem ao menos pensar na minha esquisitice e nos meus seios pequenos. Abri a torneira e pensei em jogar uma água na cara, descer logo daquele salto, mas minha esquisitice não usa maquiagem todo dia (muito menos salto). Sentei novamente na mesa e minha amiga questionou porque eu estava tão inquieta. "Eu, inquieta? Imagina! Tô esperando o show começar". Olhando os caras da banda reparei no guitarrista tatuado. Ele era charmoso e usava uma camisa xadrez. Naquele momento pensei como é fácil achar as outras pessoas lindas quando se espera por alguém que não chega. Ele cantava de um jeito rouco, seduzia os olhos e os ouvidos de todas as meninas, inclusive as do batom rosado. Até que eu comecei a perceber como ele deveria ser chato, porque não dava espaço para o baixista aparecer e ficava o tempo todo jogando o cabelo pra trás de um jeito irritantemente sou-o-melhor-guitarrista-de-todos. Mas a música era boa, talvez você gostasse, talvez você estivesse comigo ali ao lado na cadeira quando tocaram Metallica. Ali, sentada, pude constatar a humildade em tentar te guardar entre duas mãos, enquanto eu nem sabia me guardar de todos esses sentimentos. Ali, quis ganhar um pouco do seu carinho e me curar daquele tédio, podendo rir de graça meu sorriso mais colorido (e nada de amarelo dessa vez). Quis não precisar de guardar a cadeira e nem de te embrulhar num papelzinho só pra você estar ali. Quis insistir em nós, em você que é lindo até calado, que não precisa de uma tatuagem pra ser sexy, bastando só passar a mão no cabelo daquele jeito ou me olhar com cara de sério. Quis avançar o passo, te escrever uma mensagem, pedir pra você ficar só comigo. Mas aquela confusão toda era só desejo de ser algo certo e isso nem eu sinto que sou comigo mesma, a senhora esquisita. Dei sua cadeira para uma moça que estava em pé, rasguei o papelzinho amontoando os pedaços entre os restos de uma porção de mandioca finalizada. Não preciso disso, não preciso desse ritual. De alguma forma, acredito que você não vai estar borrando bocas rosadas e mudas, talvez, quem sabe alguma boca que te fale algo legal. Acredito que certamente você olha para aquela sua amiga que de interessante só tem os peitos e enquanto isso eu olho aqui para o cantor sexy e metido da banda. Nosso livre arbítrio é olhar, mas lá no fundo saber o que queremos. Também sei que lá no fundo tem coisas que você só conta pra mim e que gosta do meu jeito, sem o batom na bolsa. Te espero, mesmo sem você ter me pedido, mesmo que às vezes eu chegue no limite dessa querência de você aqui. Espero, porque lá no fundo eu sei que o seu sorriso sem graça sempre diz pra eu não desistir de você. E eu gosto da sua honestidade, mesmo às vezes nada escancarada. Mesmo com seu silêncio, que não cabe entre as minhas duas mãos.

4 de novembro de 2010

4 em 365



Soundtrack: Lenine - O silêncio das estrelas

Hoje, acordei e fiquei vendo o Sol mostrar seu rascunho com a chegada no céu. Ali, estática, assumi a condição de telespectadora de rascunhos de Sol a cada tarde, de rascunhos de pessoas e momentos. Acordei, tomei meu café e saí ao encontro de coisas em que, eu sei, você não está. Saí com o pensamento de não te revelar em mim com a primeira lembrança e torci para não encontrar o vizinho no corredor, que tem o mesmo cheiro que o seu e deve me achar uma idiota por nunca conseguir trocar mais de duas palavras. Fugi. E pequei: lembrei de você ao primeiro passo fora de casa. Mas ensaiei o sorriso fingindo que o mundo por aqui tá lindo. Que estou rodeada de pessoas e não preciso de mais nada. Me enchi de amigos, de frases e feitos, enquanto fazia toda a maquiagem dessa imagem de mim. Disfarcei uma saudade, mas deixei os pés afundarem até a canela em tudo isso que envolve você. Saí e logo o vento me encostou, feito seus dedos apoiados nos meus ombros. Me tocou feito sua boca em minha testa. Me arrepiou e eu fugi. Fingi não sentir nada, mas já pequei: lembrei de você ao primeiro toque do dia, ainda que do vento. Nunca pego o sinal de pedestres aberto e fico sempre no vermelho, vermelho, vermelho, vermelho... Tive tempo de pensar como deve estar sua barba ou se naquele momento você poderia estar acordando e até pensando em pecar ao pensar em mim também. Verde. Atravessei a rua, enquanto sentia que agora já estava afundada até os joelhos. Pensei em te mandar uma mensagem dizendo que me lembrei da sua barba no sinaleiro da avenida, mas não teria a minha voz irritante pra dizer. Não teria a mesma graça sem ver sua reação, sem saber se você estaria colocando a língua pra fora, fazendo aquela cara que você sabe fazer quando não sabe o que dizer. E aí não deu, logo no terceiro pecado me entreguei. Quis sair correndo e encurtar qualquer distância. Ficar olhando para a tua mão bonita e não para tantas palavrinhas miudinhas em cantos de caderno. Quis sentar num banco e te esperar, sabendo que uma hora você vem. Quis de verdade atropelar o tempo e não fazer mais sentido. Quis seu abraço no frio, sentir sua respiração ritmada no meu pescoço e parecer estranha por gostar de quem não é meu. Mas eu sou assim, boba e de entrega fácil ao seu sorriso despreocupado.
Hoje é dia 4 de novembro. Hoje eu me permiti parecer essa louca, que você já pensa que eu sou. E muitas coisas passaram pela minha cabeça, desde o primeiro dia em que eu te vi, com aquela camisa que virou assunto. Vieram todos os silêncios por não saber o que te falar ou como dizer. E vieram também todos os silêncios que falaram por si só, pude juntar todas as palavras que calaram. Revi todos os seus sorrisos e tive que concordar com a minha mãe: ele é realmente o mais lindo do mundo. Tudo me trouxe lembranças. Tudo me trouxe você, em dias de chuvas, em madrugadas insanas, momentos diferentes de tudo que eu já vivi. O destino me trouxe você em camas diferentes, em uma cama igual e uma saudade única. Você veio até mim, me fazendo comer maionese uma vez na vida, ouvir música sertaneja ou qualquer outra coisa que seja totalmente diferente. Desculpa que eu não sou poeta e fico emendando essas sensações esquisitas, que talvez você não sinta. Não sei encaixar tudo que eu quero dizer e as frases ficam soltas, feito eu sem teu abraço. Desculpa se elas ainda deixam transparecer o medo que, no fundo, eu sinto de tudo isso. Mas gosto do que eu sou quando estou ao seu lado. Gosto de poder escolher a música pra gente ouvir e de mexer no seu cabelo. Gosto de ver os rascunhos nas pessoas por aqui e ver que a cada dia o nosso é o mais indicado para uma boa leitura. Permito nossa insegurança, mas mesmo com medo, eu estou aqui. Mesmo sabendo que você não dirá nada, deixo você disfarçar num "você escreve bem". Mesmo sabendo que hoje, quando eu deitar, terei uma noite inteira da minha própria companhia, estou aqui. De modo estranho e por meio de um texto previsível e cheio de repetições de você, eu, você, eu... me entrego nessas linhas. Hoje é dia 4. E de maneira desconexa, como um 4, em 365, eu te amo em todos os seus defeitos e silêncios.

12 de outubro de 2010

Desabotoar



Soundtrack: Jason Mraz feat. James Morrison - Details in the fabric


Tô descalibrada. Não consigo regular essa falta de paciência por não ter você aqui. Meus poros se dilatam quando falo seu nome, acho que eles esperam que você venha por aí, em um vento de fim de tarde e entre aqui dentro do que eu sou. Fico enchendo as coisas de dias e os dias de coisas. Tô vivendo a favor de uma hora em que você vai olhar pra mim aqui, vestindo o meu melhor sorriso, com a caneta e o papel na mão, pronta pra escrever nossa história. Mas sei que, no fundo, isso é tudo de uma mão só. Sei que pra você o vento que bate na pele é um vento qualquer, que você não vai chegar assim de mansinho como nessas histórias lindas que eu fico inventando antes de deitar. Sei que sou sonhadora demais, que sou sinal de bagunça na vida de um sujeito "da cabeça boa e pés no chão". Mas queria que você quisesse me levar pra casa mesmo com todas essas minhas inconstâncias. Queria conseguir te convencer a ficar, a me deixar ficar e te ofereço em troca todo o meu bom humor ou aquela cara de boba que você gosta. Queria te sacudir e falar que eu não tô escrevendo tudo isso a lápis. Dá pra você entender que pra mim não é rascunho? Ei, é caneta, é pra valer.
Já não sei mais fazer frases impactantes que queiram dizer: "olha pra mim aqui! Usa esses teus olhos esverdeados, essas duas íris lindas e delineadas e vê se me enxerga logo". Não sei mais o que te dizer. Juro que tô tentando me ajeitar na minha bagunça interior, nesses mil sentimentos que oxigenam meu sangue e passam pelo corpo, fazendo com que eu seja toda renúncia, fazendo com que eu seja definitiva em saudade quando o assunto é você. Mas só me desajeito mais. Queria um sinal de que não é tudo pela metade, que nunca foi. Queria aconchegar meus pés em um pouco de certeza... Não tô querendo tirar a sua liberdade, não tô te roubando pra mim. Quero que tudo isso seja leve, que os sorrisos falem pela gente. Só quero que você tenha vontade de se entregar ao que desabotoou depois de tanto tempo esperando florecer. Alegria boba, gratuita em meio à espera do "nós". Alegria louca de uma inconstante, mas com toda a vontade e talvez, a capacidade de te fazer feliz. Essa que sou eu, meio clichê escrevendo essas coisas descalibradas, mas inteira tua e talvez sempre descalibrada.

27 de setembro de 2010

Do lado de dentro



Soundtrack: Ben Harper - She's only happy in the sun

Quero dizer do que não gosto. Não gosto do barulhinho que o giz faz arranhando o quadro, assim como também não gosto de beterraba e jiló. Não gosto de perfume doce e nunca gostei de ouvir rap, ver filmes de terror e comer aquelas pipocas rosas que vendem no cinema. Não gosto de fórmula 1, aliás sempre durmo assim que começo a assistir e também não vejo graça em beber café todos os dias e acordar cedo (talvez explique o caso "fórmula 1"). Não gosto de matemática, de resolver como pagar a conta do bar e também não gosto de comer salada em restaurante de beira de asfalto. Não gosto de calor em excesso, sorriso em excesso, gente em excesso. Não gosto de micareta e de abrir o olho no fundo da piscina. Não me apetece fila de banco, fila pra pagar conta, fila em lanchonete, não gosto de fila mesmo. Não gosto de casa suja, gente sem cheiro ou com cheiro (estranho) demais e também não me alegra fogos de artifício, porque sempre fico igual criança tampando o ouvido e piscando a cada estalido. Não gosto de gente que paga de inteligente e não gosto de novela. Não gosto de maionese, gente encrenqueira e daqueles homens que passam ouvindo música dentro do carro numa altura que quase ensurdece Deus. Não gosto de pseudo comunista, pseudo capitalista, pseudo amante. Não gosto de quem maltrata os animais e nem de quem maltrata gente, seja no trânsito, seja dentro de casa. Não gosto de dormir com os pés descobertos, nem sem nada que me cubra e também não gosto de gente morna. Não gosto de tanta coisa, que acabo achando gostos pra outras. E gosto de você. Gosto do seu sorriso, da sua voz de homem, do cheiro do seu amaciante na sua blusa de frio, da sua pinta charmosa e de ficar te vendo mostrar a língua todas as vezes que digo que você é lindo. Gosto da sua falta de jeito pra dizer que também gosta de mim e chego a gostar até dessa dúvida se você gosta mesmo de mim. Eu sei que o mundo de ninguém parou por você não estar aqui. Ninguém me disse nada sobre ter parado de achar graça em muitas coisas e também não reclamaram sobre a falta de concentração para ler uma frase de duas linhas num livro. Mas alguém aqui dentro de mim grita em meio a essa felicidade muda e fico tentando me virar do avesso pra que essa pessoa consiga mudar de dentro para fora. Fico tentando fazê-la gritar pra você ouvir que eu queria te chamar pra ver aquele filminho brega nessa tarde nublada. Fico com pena dessas pessoas que não conseguem ver nisso uma das coisas mais lindas que possa existir em gostar de alguém: eu te amo, mesmo sem você ser meu. Te amo mesmo sem saber se um dia isso acaba, se você vai me ouvir. Mas olha, tenho um medo danado de não pensar em você quando abro a mostarda. Tenho medo de querer tudo e não ter nada. Do seu silêncio e de você achar que sou boba porque não gosto de fórmula 1, mas gosto de você. Tenho medo dessas coisas que o destino prega fazendo eu pensar que um dia vai ficar tudo bem... Que vou te ligar e falar: nossa, hoje um cara estúpido gritou comigo no sinal. Porque você vai ter me ensinado a dirigir, a jogar truco e sinuca e eu serei a mulher mais completa do mundo só pelo fato de ter você sem qualquer porém, por poder ter seu beijo ritmado, te olhar dormir achando a coisa mais linda você sem camisa num lençol amassado. Quero te dizer que também não gosto dessa saudade, mas acabo acostumando por saber que eu sentiria saudade até se morasse na sua rua. Tem dias que ela bate forte e aí me dá uma vontade danada de me entupir de maionese com jiló pra eu ver que existe coisa pior. Não me importo mais quando não entendem meu amor por você, ninguém sabe o pi de cor, nem quantas estrelas existem no céu. Ninguém entende as coisas infinitas! E também não entendo porque não gosto de fórmula 1, talvez você me faça gostar e a gente até veja junto comendo pipoca rosa melequenta. Mas seu perfume não é doce não, né?

11 de setembro de 2010

Mais uma vez



Soundtrack: Natalie Walker - Urban Angel

Queria te chamar de meu. Saber onde você está agora, pelo simples fato de que, sendo meu, seria preciso só olhar para o lado e ter seus braços como um travesseiro. Queria o frio com você todo desajeitado na intenção de me esquentar e não sabendo direito por onde começar a me abraçar. A gente correndo da chuva, você com medo de me atropelarem no meio da rua, me puxando feito pai e filha. Queria você ficando bravo com a minha falta de decisão, fazendo voz grossa só por eu não decidir qual o sabor da pizza ou qual música ouvir no seu quarto. Acordar com seu cheiro nos meus dedos, passar o dia com seu cheiro e nem me importar se sumisse, por saber que eu poderia ter você a qualquer hora. Queria você tirando a franja da minha cara, dizendo da minha falta de jeito pra andar. Sentir sua respiração bem pertinho do meu nariz, como se me falasse pra que eu te beijasse logo. Queria me pegar olhando pra você vezenquando e pensando o quanto você é lindo, até quando fica mostrando a língua e fazendo mil caretas. Olhar a sua cara de bobo, sabendo que seria só pra mim e pra mais ninguém. Queria que meu telefone tocasse no meio do dia e que só de ler seu nome na bina meu coração disparasse. Queria que todas as mensagens fossem suas e não da operadora de celular dizendo para que eu coloque mais créditos. Seu silêncio, suas vontades, seus receios, queria saber mais de você, mostrar mais de mim. Ver você dormindo no sofá, beijar todas as suas pintas, rir de você falando sozinho enquanto lava a louça. Ter seu abraço, me enlaçar em você e sentir o coração bater mais forte. Escutar todas as músicas que eu mais gosto do seu lado ou cantar até você dormir. Não ter certeza de nada, te surpreender a cada dia, seja com um bilhete do lado da cama, seja com uma declaração em plena terça braba depois de você ter se ferrado em uma prova. Queria brigar, desbrigar, te beijar, te odiar, te amar, senão mais. Te atiçar, correr, voltar, invadir sua paz, me enfiar na sua cabeça, querer ir embora por dois minutos. Acordar com você, cara amassada, alma limpa, dormir com você, cama amassada, alma cheia de saudade. Queria seu sorriso grande e queria que o meu sorriso fosse o seu preferido, te mostrando que a minha cara de boba também é só tua. Queria rir das propagandas da TV em plena madrugada, rir da minha criancice, rir até das coisas sem graça que você falar. Na verdade, queria te dizer que eu quero o que você é, o que a gente pode ser. Queria te fazer feliz, me fazer feliz. Me esbarrar logo em você por aí, nessa coisa que eles chamam de futuro. Ou que eu prefiro chamar de algoquearriscasersónosso.

29 de agosto de 2010

(In)visível



Soundtrack: Maxi Priest - Fields of gold
Incrível essa sensação que toma conta da gente, né? Por tantos dias, mal sinto sua presença, como se você fosse inconstante demais pra que eu possa te sentir, te ouvir, pra que eu possa captar sua frequência. Mais incrível ainda é a nitidez com que, por alguns momentos, ouço sua voz. Sinto uma sede danada de você e começo a te buscar nas coisas a minha volta, tentando adivinhar de que buraco fundo daqui de dentro vem esse eco que é teu. E que só pode ser o teu. Ninguém mais teria essa voz... Ninguém mais saberia tão bem como dizer meu nome, como sussurar para que eu não consiga escutar de onde vem a voz, fazendo com que eu realmente não ache esse buraco e aceite sua falta. Aceite que você já faz parte do que sou, mesmo quando eu me esqueço de mim e te perco por entre os fios do meu cabelo, ainda que eu saiba que tuas mãos os tocam dia e noite. Mesmo que às vezes eu me cegue com outras coisas, aceito que só o fato de ver a tua letra me faz imaginar os traços do seu nome, os desenhos do seu sorriso nos meus olhos. E aceito que mesmo quando meu nariz se entope com os ventos que trazem a ausência, ainda posso sentir teu cheiro... Esse cheiro de um dia meu.
A verdade é que você cresceu demais, seja lá em qual buraco de mim que tenha o teu nome. Você cresce mesmo se não te rego, mesmo sem eu saber se te conheço mesmo. Não sei se você é inquietação de cinco horas da tarde no trânsito, se é serenidade de domingo a noite. Desconheço suas manias, suas histórias de infância e também não sei se você já acreditou em papai noel, coelhinho da páscoa, se um dia você já acreditou em nós. Mas ainda assim, te ouço e tenho tantas coisas para dizer que prefiro guardar, do que achar onde você realmente fica aqui, fazendo a resposta virar silêncio. Vou me distraindo com miudezas, cultivando coragem, esperando que o Sol ilumine esse mundo louco que possa ser o nosso. Talvez foi esse o seu jeito mágico de se declarar em mim, sua presença nessa vida que a gente mal nomeia como sendo nossa. E é teu esse sentimento intratável de angústia que vira paz ao mínimo eco, sussuro, suspiro. Respeito você amadurecer, espero as histórias que um dia virão, vejo as fotos que não tiramos, os beijos que não selamos, guardo as horas que um dia serão nossas. Espero você amanhecer em mim, espero o dia clarear nessa sua toca, seja lá onde ela fique, pois de uma coisa eu sei: ainda temos uma eternidade, menino.

5 de julho de 2010

Souvenir



Soundtrack: James Morrison - I won't let you go

Às vezes, todos temos leves relances de que perdemos alguém. Nos damos conta quando as memórias tomam forma, cor e cheiro. Elas criam notas, viram músicas, viram códigos morse do amor, palavras gatilhos capacitadas para estimular um dos maiores chefões de um corpo: o cérebro. Ativamos uma das maiores redes de comunicação pessoal do mundo e ainda assim não sabemos compreender a que ponto deixamos um monte de massa cinzenta controlar nossos sentimentos. Por que não é tão simples olhar para uma bala de goma em forma de minhoca e vê-la como um docinho comum em festinhas infantis? Raramente, você se lembraria do seu 3º aniversário vendo balinhas de goma. Mas muito possivelmente, se lembraria do dia em que ganhou uma bala de goma por cada dia que esteve ao lado de alguém. E aí está a graça de todos os relacionamentos: eles deixam memórias, que sempre estão prestes a te fazerem pensar em mil coisas ao primeiro sinal do retorno, ainda que te façam lembrar da perda, do que não deu certo. Essa estrada rumo aos finais começa quando fazemos das diferenças, barreiras. Entramos nela ao nos vermos em momentos diferentes e idealizando coisas diferentes. Começamos a esquecer do presente e botamos a culpa no futuro, quando na verdade, o futuro nada mais é do que a esperança do que se faz hoje. E então deita-se no chão gelado, encosta-se a cabeça no tapete e tem-se a luz do corredor a iluminar as últimas lágrimas do gelo que restam para cair e derreter. Selamos tudo com aqueles últimos beijos que doem lá no fundo, que dizem tchau sem precisar de um mínimo sussuro. Ou então, fechamos a porta pela última vez, de modo que ela nunca pareceu tão pesada. Nos vemos como papéis picados voando pelo céu, como um avião que não pousa enquanto não acha uma pista de vôo suficientemente capaz de o suportar. Tiramos o direito das pessoas de serem destino, de serem exatas. Dissemos que não é o nosso número ou tantas outras analogias que sempre signficam: você não cabe em mim. Saímos voando demais e não pousamos. Queremos sempre a certeza, queremos saber em qual parada estará a melhor bala de goma do mundo, não sabendo que nós é que a fazemos ser a melhor.
Às vezes tenho o relance de que te perdi. Isso acontece quando te encaixo ao centro dos olhos e ouvidos, seja numa música, seja em um bilhete no fundo da gaveta. Hoje queria pegar nas tuas mãos e dizer que você sempre soube me perfumar com o teu sorriso mais sincero, grande e amigo. Hoje queria te dizer que você é doce como talvez seja alguma das melhores balinhas de goma que possam existir.

20 de junho de 2010

Obra



Soundtrack: Bright Eyes - First day of my life

O desejo do destino é algo que chega a escapar do poder de se segurar com as duas mãos. A tarefa de querer reinventar as coisas, de domar o que não se é certo, é realmente difícil, como escrever certezas a lápis num guardanapo. Respeita-se então a idéia de que durante todos os dias de nossas vidas aprendemos a construir momentos, em meio às incertezas, e junto deles construímos as pessoas. A maior verdade de tudo isso que chamamos de caminho, talvez seja o fato de que não importa se a construção exige tempo, mão de obra ou muitos tijolos, o que realmente importa é a argamassa. Não importa o tamanho do que se constrói e sim o que se firma entre o que constrói, podendo durar dias ou chegando até o limite do que se aprofunda eterno. Cansa fácil quem cria demais e várias vezes, quem usa de muitos tijolos, mas tem dó de gastar no reforço de cimento entre eles. Cansa quem sempre espera ver tudo cair a sua frente e ainda assim não aprende que o segredo da obra é o laço, é o nó de consolidação. O que perdura é ser acabamento simples e puro. É se aceitar mais de uma mão para construir, sabendo dividir o sentimento, sabendo ser mistura e se salvando do tempo que é um teste para a desatenção e a comodidade. O tempo é recurso do destino e seleciona não quem mereça amar mais, mas sim quem saiba amar e quem ousa. Quem ousa ser o que realmente é, não se diminuindo na primeira chuva, por saber que a liga da argamassa é forte e resiste. Ousa quem sabe reagir às palavras, quem se arrisca a perder o sossego, a sentir as náuseas desse barco de mares estranhos. Ousa quem acredita que há amor suficiente no mundo, quem ainda gosta de cafuné, quem escreve o nome do outro no box durante o banho quente. Ousa quem assume o poder dado a nós pelo destino de nos descobrirmos amantes, seja na falta, na urgência, carência ou paciência da espera. E assim se constrói amor, não se limitando ao número de construções e tentativas, mas também não se limitando ao "ser amado". Se constrói o amor, sabendo ser amante, diante desse Sol que nasce em cada dia de obras de uma das empresas mais ricas desse mundo: o coração.

24 de maio de 2010

But I'm long gone



Soundtrack: Iron and Wine - Flightless Bird, American Mouth

Me lembrei de um dia em que você estava indo embora e eu perguntei: já posso sentir saudades de você? Em resposta, simplesmente ganhei um sorriso, daqueles meio sem jeito e te vi descer as escadas. Hoje, depois de vários meses, me peguei pensando nisso. Por que diabos te fiz essa pergunta, sabendo que não existiria resposta alguma?! Se eu fosse um pouco mais esperta teria me prometido te esquecer naquele instante. Não deveria ter atendido mais o telefone, deveria ter virado um tatu no buraco, abelha rainha na colméia, raposa na toca. Simplesmente esquecido, escapado, sem te dar direito qualquer da sua mínima resposta: seu sorriso canto de boca, que doeu. Doeu você não permitir a minha saudade, essa que seria só minha. Eu que não estava nem pedindo a sua saudade, eu que não pedia pra que você lembrasse de mim, em pleno estado de "nada concreto" na sua vida. Pedi apenas pra que me deixasse te lembrar, pedi um copinho americano de carinho. Cheguei a pensar que pudesse merecer algo melhor e nem precisava ser o tal do seu amor. Aliás, eu nem sei se essa palavra seria tão maior que ganhasse do teu abraço, das nossas conversas. Talvez eu só quisesse isso, o teu sim, o teu consentimento, as nossas diferenças e até acreditaria no dia em que você acabaria com esse medo de deixar o coração rastejando baixo, essa coisa superficial. Eu secaria o seco, eu falaria rouca, eu amaria por dois, porque no fundo eu não me daria nem conta. Mas quando você desceu aquela escada, você fez por nós. Na verdade, a dor que ganhou não foi a do seu sorriso sem vontade, foi a dor de nem precisar secar o teu seco. Foi a dor de não poder escolher como eu devia me sentir e apenas sentir, de não precisar tentar. E lá estava a mocinha: out! Antes de querer sair, antes de pensar em deixar de amar, antes de escrever a primeira página... Out.

7 de maio de 2010

Conteúdo torácico



Soundtrack: The Fray - Look after you

Quer saber? Tenho um bocado de coisas aqui dentro pra te dizer. Confesso que às vezes, tenho vontade de sair por aí, pisando em corações, deixando cacos que me cortassem os pés, mas que ainda assim pudessem me explicar o merecimento do quanto você ainda me dói. Me corta. Estilhaça. Amassa. Você tem esse poder de sorrir com os olhos, de falar com as mãos. Você me cansa, me alcança, me balança. E eu fico feito criança na gangorra do parquinho, olhando pro lado e procurando alguém que me balance mais alto, que me faça ter coragem de pular no chão quando a gangorra estiver bem lá em cima. Pura brincadeira para alegria miúda. No fim, eu sempre sou meu próprio consolo, no fim quem me balança, cansa de brincar e sai. E aí eu volto pra casa e sinto teu cheiro, sinto que vou me desajeitando sem perceber. Guardo teu espaço na cama, o espaço da tua escova de dente ali na pia ao lado da minha. Guardo teu espaço no sonho de cada dia, guardo você em qualquer música que fale de amor. Guardo as lágrimas, guardo o suspiro profundo, guardo a saudade, a dor, guardo o medo. Guardo tudo, no fundo da gaveta e deixo aqui, na palma da minha mão, só o perdão. Eu te entrego, te perdoo, porque te amo. E por isso, eu não me perdoo, ainda que nas fraquezas eu possa descobrir o poder da gratuidade desse sentimento, da minha facilidade de doação... Esse poder que eu tenho, mas que me tranca o peito e não me faz ser uma mulher maravilha dos quadrinhos.

26 de abril de 2010

You picked me



Soundtrack: Marcelo Camelo - Janta
Te recebo a qualquer hora. Mesmo que não tenha café, mesmo que seja nos meus sonhos. Te recebo em cada gesto, te recebo em cada lembrança do teu rosto, em cada expressão que vem com a ausência. Te recebo por inteiro, sabendo o quanto você me intriga e ao mesmo tempo me deixa rindo fácil. Te recebo mesmo quando a gente "se some", sem datas, sem contagens. Te recebo como cobertor de saudade, com a falta de tato e olfato sem você. Te recebo como se eu soubesse disfarçar o tremor das mãos, como se sempre fosse o primeiro beijo, como se sempre fosse o último beijo. Te recebo como se a história nunca terminasse, mesmo que você nunca mais viesse, mesmo que não houvesse mais o teu sorriso. Recebo você como milagre, invenção do céu, recebo você nas coisas mais lindas, serenas e intensas. Recebo você na fé, no teu olhar que me dissolve, recebo sem cura, mesmo que me chamem de louca. Te recebo na fuga dos dias comuns, no desejo do destino, na falta das palavras. Te recebo porque dois é sempre melhor que um. Te recebo porque o riso é espontâneo, porque abri as portas daqui de dentro pra você. Recebo sendo tua, recebo sendo meu. Recebo porque te amo!

15 de março de 2010

Polegar



Soundtrack: Coldplay - See you soon

- Parece que sua digital tem seu gosto.
Logo que seu polegar passou na minha boca, a vontade era dizer isso. Mas não consegui. Me calei, com o teu polegar na minha boca, com sua boca na minha boca, com seu cheiro nos lábios. Me calei com o pensamento voando léguas, com seu cheiro de meu, cheiro de saudade, cheiro com respiração. Me calei com seus olhos, com a naturalidade de como eu me perco e logo me acho, fazendo barulhos estranhos na sua bochecha. Me calei por te tocar, por ecoar no meu ouvido você dizendo: te amo. Calei por não ser necessário dizer, por não ser necessário interromper tamanha proximidade com uma baforada da minha loucura dizendo que tua pele tem gosto. E num impulso, esqueci do silêncio e pronunciei com a garganta seca de tanto ter me calado:
- Saudade.
E novamente, você se foi. Sem digitais, cheiro e silêncio, me sobra sempre a saudade e a nossa verdade, que te faz voltar em meio a dias de sorte e que me faz crer que o dia é realmente de sorte.

28 de fevereiro de 2010

Amantis Agudus



Soundtrack: Los Hermanos - Primeiro andar

Parei e pensei como eu andava me deixando esquecida. Sensação perigosa, quando se começa a reparar demais nos pés, querer movimento, mas ainda assim não se saber para onde ir. Comecei a ter medo de mim ao me conhecer mais em momentos em que eu me considerei sozinha. Trabalhar com a idéia de vida levando em conta o tempo, sentimento, duração (ou falta de tal) é algo muito humano e apesar de dizerem que tudo o que é humano não se faz difícil de ser compreendido por quem é um, talvez eu seja um dinossauro diferente sendo criado em meio a um Big Bang de partículas de esquisitice. Tenho achado realmente árduo crer, sentir e achar um jeito certo de levar as coisas e isso provavelmente seriam palavras que descreveriam bem uma pessoa difícil de se tocar ou comover. Mas como explicar? Sou exatamente o contrário, sou manteiga, fácil de se deixar inquieta, boba, daquela que fala qualquer coisa numa ligação, só pra ouvir a voz, daquela que qualquer frase louca e romântica deixa o canto da boca coçando de vontade de sorrir. Não sou daquele tipo que valoriza memórias sem cor, sem cheiro e nome, não me proíbo das emoções, nem boto arame farpado no coração. Só cansei de ser pedaço, ainda mais quando o pedaço não é nem sequer uma metade. E o problema não deve ser eu, afinal os dinossauros viveram por muito tempo, embora esquisitos e estranhos. Dinossauros também deviam amar outros dinossauros e não deviam se sentir sozinhos, porque pelo menos não foi de tristeza que morreram. Dizem que foi o tal do asteróide, só não se sabe até hoje é se foi de amor. E tem outra: "isso" lá vai matar alguém? O que incomoda no amor é a fragilidade. É ser volátilssauro para alguns, brutossauro para outros e Amantis Agudus, no meu caso. Seja amor por alguém especial, amor pela vida, pela salada, pelo time de futebol, pela vizinha, pelo rosto do galã da novela, o importante é que amor não mata, a gente é que tenta matá-lo e claro, não somos asteróides capazes. Mas que idéia?!