23 de dezembro de 2008

Pedaços de mim num pedaço de papel


Soundtrack: Glen Hansard - All the way down

Essa carta não será demorada, só se faz necessária, porque alguns bons meses já se passaram desde que nos falamos pela última vez. Hoje, depois de tanto tempo, decidi mexer em algumas coisas tuas que ficaram aqui, alguns presentes, na esperança de ver tudo e não sentir nada. Bobagem! Ainda que eu encha meus dias de mantras, te chamando de infantil... Ainda que eu arranje mil ocupações durante a semana para não pensar em você... Não consigo esquecer de nada. Tudo que eu queria era ter você, infantil, andando por aí de mãos dadas comigo. Sabe? É como se as lembranças fossem papéis na parede e quando eu decido tirá-los de lá, eles saem, mas as fitas adesivas continuam coladas. E o perigo de também tentar arrancá-las é que posso estragar a parede. Assim é com a nossa história! É como se eu tentasse tirar você daqui de dentro do peito, mas tivesse medo de ficar com o coração estragado, como a parede. Então te deixo aqui, passo uma camada de tinta para disfarçar o defeito, mas fica mais feio ainda e mais visível.
Isso tudo ainda é muito estranho para mim. Me pego pensando em você nos momentos mais imprevisíveis, como quando vou tentar abrir um saquinho de catchup. E começo a me questionar de como você possa estar. Se você continua mordendo os copos de plástico nas festas quando tem vergonha, se você ainda gosta de usar meias brancas, se ainda usa a camisa que eu te dei. Se você ainda faz aquelas aulas de inglês a noite, que te cansam tanto, se continua nadando e lendo poucos poemas. Não sei se ainda é azul sua cor preferida, se aprendeu a dançar forró, não sei se ainda me ama, ainda me quer. Não sei se ainda chora ouvindo nossas músicas... Não sei se sou eu, não sei se é você. Só sei seu endereço e por isso mando essa carta, pois nem olhar no teu rosto, sem tremer de angústia, eu consigo. Enfim, eu nem precisava de tantas palavras. Não espero notícias, nem você eu espero mais... Já me acostumei a esse silêncio, sem tua risada, sem tua voz. Esse silêncio que fala, que me manda ter saudades, mesmo sem nenhuma mensagem na caixa postal. Bem, só queria te dizer: feliz natal!

16 de dezembro de 2008

Dois gumes


Soundtrack: A Fine Frenzy - Near to you

E sempre fica a pergunta: onde estava o problema? O problema era gostar demais, sonhar demais, ser diferente demais? O problema era ser sensível, era não conseguir esconder o que sentia? Não! O problema era o fim e o fim é isso. O ponto final! É o momento em que sobram papéis a espera de palavras de amor e os ouvidos se acostumam com o silêncio, ainda que sintam falta do “te amo”. O fim chega quando você se pega na chuva tentando fazer a pessoa aparecer ali ao teu lado de novo, numa espécie de mágica. O fim nos chama a vê-lo quando o telefone não toca, a mensagem não chega, o sono não vem. O fim chega quando some o brilho do olhar e você não sente mais a mão suada, por passar horas compartilhando da palma do outro. Ele vem quando não tem ninguém para cantar aquela música no teu ouvido, para fazer aquela brincadeira batida ou então te fazer raiva só para depois dizer como você fica linda brava. O fim chega quando se começa a dar nome a tudo... E aí perde o sentido. Ele dói e grita por dentro quando ao espalmar o teu lado só sobe poeira. Mas às vezes, o fim não permanece como culpado por muito tempo. E entra em cena o recomeço, que já chega deixando o palco do coração de cabeça para o ar. Ao primeiro sinal, já te faz pensar que tudo vai ser como antes e então se começa a não ver cura e ao mesmo tempo, não ter vontade de esquecer. Começa a fazer retroceder os dias e a cada manhã sobrar a imagem do sorriso, a sensação do toque. Induz-te a fazer planos e te deixa lá na chuva de novo, com o sorriso no rosto. Enche-te de fé, te faz se manter viva, bonita e até faz adiantar o relógio, arrancar a folha do calendário um mês antes para passar logo o momento do encontro. O recomeço vem e pode ficar... Ou vem e perde o papel. Perde quando recomeçar transforma-se em comodismo. Acomoda-se ao passado e não se tem mais vontade de construir futuro. Acomoda-se às lembranças e não se colocam fotos no álbum novo. Aí o cheiro vai sumindo, a chuva não cai mais, a mensagem é esquecida e o verbo amar que tanto era prezado, vira precipitação. Dessa vez, você entra em cena, sozinha, e o palco é esse mundo louco. A culpa não é de mais ninguém, a não ser daquilo que ainda te faz encontrá-lo.

12 de dezembro de 2008

Ciclo das palavras


Soundtrack: Ben Harper - Waiting on an angel

Dizem que nessa vida cada pessoa que passa por nós vira uma palavra. Acredito também que cada momento também possa ser uma palavra... Mas talvez a minha palavra de sempre, de todo momento, seja adaptação. Tive que me adaptar à várias coisas. Adaptar a enxergar diferente, me adaptar a colocar o copo de um outro lado durante a refeição. Me adaptei a ser verdadeira e diferente do mundo, não quis me adaptar a ser mais uma. Me adaptei a arrumar minha própria mala e confesso que demorou para eu me adaptar a limpar meu quarto sozinha. Me adaptei a outros ares e acabei me adaptando à ideia de que em cada lugar que se passa, você deve deixar sua marca, nem que essa seja o nome da sua cidade. Me adaptei a idéia de que as pessoas mudam e esquecem de avisar, então você tem que se adaptar a elas de novo e quando você não consegue mais, dói. Dói também(senão mais) quando elas não querem que você se adapte e aí você só fica com o tal do "estar perdido". Me adaptei a pensar que algumas pessoas realmente acabam indo embora, mas elas só se vão definitivamente porque a gente deixa. E é tão melhor pensar que vão porque deixamos... Mesmo que no fundo saibamos que elas vão porque querem. Me adaptei a acreditar no destino e assim fui me acostumando com a idéia de que podemos estar do lado errado, mas estamos do jeito certo, talvez só vamos demorar a entender o porquê de tudo. E sinceramente, às vezes o melhor é nem saber. Acabei tendo que me adaptar com a falta, de pessoas, de momentos, de partes de mim. Mas a verdade é que sempre vai faltar aquele buraquinho a ser completado em nós. Sempre vai sobrar aquele buraquinho, que depois que tudo passa te faz ver o quanto era necessário, a partir do momento em que por ele entrava o ar que lhe era preciso para viver. E assim, nessa parte do ciclo, adaptar é a palavra do momento e saudade é a tua palavra.

9 de dezembro de 2008

Por enquanto


Soundtrack: Colbie Caillat - Realize

Hoje eu queria acordar com um beijo teu, na face, na fronte, na boca. Hoje queria aquele mesmo céu sobre nossas cabeças e queria uma chuva de selar amor. Ah, eu queria sim! Chuva de deixar nossa roupa molhada, coração limpo, sorriso no rosto. Hoje eu queria madrugada e se deixassem, queria até chegar aurora. Hoje queria sair por aí com você, queria dividir meu passo com o teu, andar no mesmo compasso e nem precisava ser de mãos dadas. Bastava encostar em teu braço de vez em quando, só para sentir que você estava ali mesmo. Hoje queria chegar em casa e ao tirar a blusa, sentir que teu cheiro passou para ela, para mim, com teu abraço, o teu melhor abraço. Hoje queria te ligar, contar dos meus problemas e depois de 15 minutos, ter você entrando pela minha casa e dizendo que me ama, em plena terça-feira, com aquele beijo na porta e teus olhos. Hoje queria rir com você de coisas que só a gente entenderia. Hoje queria deitar no teu colo e ver um filme da época em que você era pequeno, imaginando como seria o nosso filho. Hoje queria tua fé em mim, queria tua confiança, queria teu afago. Hoje queria guardar teus medos numa caixinha, queria o som ligado na nossa música para o mundo inteiro ouvir. Mas falta você... E, assim, todos os dias o "eu te amo" esquece da distância e espera. Vira começo para cada ausência, vira recomeço para tudo que sinto por você! E que não acaba. Nem se hoje eu não acordar com um beijo teu, na face, na fronte, na boca...

2 de dezembro de 2008

Penso que...


Soundtrack: Coldplay - A message

Não sei mais escrever. É como se sentisse que não tenho mais as palavras correndo pelas veias. Eu me sento, os dedos coçam, mas não sai bonito. Não soa bonito! Não igual a você... Não corre macio como teu abraço, não é claro como teus olhos, não é como você merece. E nem sei se isso que escrevo é algo que se mereça... Nem sei se soam bem tantas palavras assim, sentimentais, lacrimosas, que chegam a ser tolas. Palavras que pelas linhas ecoam de saudade, de raiva do tempo que ainda te coloca aí, tão longe. Raiva do tempo que te faz fonte, que mais me bebe do que mata a sede! Tempo que nos faz seguir em círculos, nessa dança de verdades e mentiras, nesse invento de vida um sem outro, nessa falta de conclusão dos planos. Só sei que as palavras sumiram, escorreram pelos dedos, fugiram e agora não sei quando voltam. Como no outono em que as folhas fogem para não gastar a energia das árvores, talvez as palavras fugiram para não gastar mais esse amor. Pode ser que a estação seja duradoura... Mais um ano, quem sabe?! Vou precisar me acostumar mais uma vez, a ficar sem palavras, ficar sem você, ficar sem nós. Talvez eu ainda saiba fazer aquele bolo que você gosta... Mas a verdade mais precisa é que eu ainda te amo. Te amo sem saber escrever, sem saber fazer teu bolo, sem saber te amar. E mesmo sem nossa história merecer tudo isso, eu sei que te mereço, você me merece. Nos merecemos sem fim, enfim.

24 de novembro de 2008

Obituário

Camilla Leonel Santos, 17 anos. Nasceu em uma cidade pequena do interior de Minas, cidade que lhe deu mais um de seus apelidos: Piumhi. Foi criada com o pai, a mãe e a irmã numa casa que era branca e depois de uma reforma, ficou amarela. Com 2 anos e meio já sabia ler e com 3 aprendeu o que era sala de cirurgia. Descobriu mate-couro, começou a gostar de hospital e daquelas máquinas em que se coloca uma moeda e sai chocolate. Tinha mania de dançar na varanda e corrigir o pai quanto aos tons das músicas. Nunca soube dar estrelinha e tinha a língua um pouco presa para algumas palavras. Fez um vestido de pasta dental no corpo e acreditou que o pai a levaria na roda do carro durantes as viagens, sempre dizendo a todos que só não iria pois entraria poeira nos olhos dela. Tinha uma boneca chamada Anna Luísa, mas ainda não sabia o nome que a filha teria, só dizia que se tivesse um filho chamaria Iano. Foi internada uma vez só na vida, por ter comido maionese estragada e alguns anos depois lhe apresentaram a mostarda. Gostava de desenhar e ficava feliz em desenhar um chão abaixo de tudo que fazia, pois a mãe dizia que era sinal de que ela tinha equílibrio. Com o passar do tempo, ela acabou descobrindo que era um pouco nervosa, pensou até em fazer Krav Magá, mas daria muito trabalho. Antes de completar 17 anos se tornou uma pessoa mais calma e parou de roer as unhas. Teve um peixe, um pogobol (do Gugu) e gostava de Scooby Doo as 18:00 no SBT, até descobrir o computador, mas nunca teve video-game. Por isso mesmo, ia jogar Winning Eleven na casa do primo e acabou tendo uma fase que sua mãe nomeou de "machinho". Andava de calça tactel, jogava futebol e tinha mais amigos homens. Foi bom para compreender um pouco da cabeça deles, mas continou sem entendê-los. Um tempo depois, o cabelo nunca mais foi tão liso e ela descobriu a sensação de estar apaixonada pela primeira vez. Teve alguns "paquerinhas" e poucos amores, mas quando gostou, gostou intensamente, até amou. Cantou numa banda, chegou a dormir sentada e tocar para públicos que iam de 30 pessoas a 10 mil. Conheceu música de verdade, se apaixonou por Tom, Vinícius e seus parceiros. Era uma viciada em Los Hermanos e foi parar no hospital depois de um show do Hillsong United. Colou, passou cola e roubou uma prova com os amigos uma vez. Cortou o queixo no mesmo lugar três vezes, quebrou o braço correndo, coisa que ela nunca fez muito! Assim como estudar, mas sempre se saía bem nas provas. Odiava matemática, adorava português e biologia. Queria ser pediatra, mas depois decidiu ser fisioterapeuta. Amava poemas, contos, poetas, crônicas, livros... E sorvete! Amava seus bons amigos, sua família e tudo que eles representavam. Nunca soube abrir saquinhos de molho e acabou tendo que se virar sozinha depois de uma época. Com 16 anos, saiu de casa e foi morar em Juiz de Fora, onde viveu uma das melhores épocas de sua vida. Conheceu o espiritismo e a doutrina de Allan Kardec, descobriu o que era rumba, miojo com azeite, lavar calcinhas e meias. Para aliviar, começou a escrever em um blog chamado sentimentolices, que chegou a virar um livro publicado posteriormente por um grande amigo. De uns meses antes até seu desencarne, vivia a espera de seu bom e eterno amor. E nesse aguardo, seguiu para a sua vida eterna... Madura em suas verdades, feliz em suas experiências, aprendiz em seus fracassos, mas ainda sem saber que o destino realmente existe até para o amor. Sem saber que quando se espera demais, o telefone nunca toca!

20 de novembro de 2008

Mutação


Soundtrack: Death Cab For Cutie - A lack of color

Ela aprendeu o que era amor. Amor por aquele desajeitado, que gostava de bossa e sorria mais pra um lado. Era amor por aquele que também gostava de cachorro-quente com mostarda, de Fernando Pessoa e Mário Quintana. Era amor por aquele que ria da cara dela ao vê-la com a blusa ao avesso, por aquele que não sabia contar piada, que comia e ficava com a boca suja. Amor por aquela serenidade, por aquele gosto por crianças, pelo cheiro. Era amor pela inteligência, pelo tato, pelo contato, pelo suspiro. Era amor pelos dedos largos, pelo cabelo preto, pela alma limpa. Amor pelos olhos, por tudo que os outros não viam (mas ela via). Era amor com calma, sem encher tudo de palavras bonitas e depois sentir o receio de que não havia mais o que se dizer. Era amor sem precisar dizer eu te amo! Era amor sem entender... E foi amor! Até o dia em que descobriu o que ele já sabia. Descobriu que entre eles havia duas coisas: tudo no mundo e uma outra... Uma outra hora, uma outra vontade, uma outra pessoa. Pegou o amor e guardou na gaveta. Enlaçou os dedos e fez um pedido. O A de amor logo entendeu o recado.
Ela aprendeu o que era amizade... (E fiquem com as reticências!)

13 de novembro de 2008

Sobre a sensibilidade


Soundtrack: Regina Spektor - On the radio

Lá pros seis anos de idade, ela pediu um cachorrinho de presente. Dois dias depois, a mãe chegou com uma sacolinha em casa e entregou à menina dizendo:
- Toma, esse é teu bichinho de estimação.
Era um peixe. Meio verde, meio azul, meio vermelho, chegava a abandonar sua espécie e virar um camaleão. Era tão diferente do que tinha sonhado. Queria uma companhia para brincar, para correr pela casa, para acordá-la com uma lambida. Queria alguém para apertar, fazer carinho, ganhar carinho. Sonhava com o momento em que chegasse da escola e tivesse aquele bichinho peludo a esperar por ela na porta de casa, a abanar o rabinho de alegria.
- Mas mamãe, um peixe?
E a mãe só dizia que peixe não sujava a casa, não era caro de cuidar e não fazia bagunça.
O tal do peixe ficou sem nome por um dia, aliás, ficou sem nome, sem atenção e sem casa. No máximo, ganhou um olhar de desdém da menina, quando ela chegou da escola e não viu um rabinho abanando. Até que no outro dia, a mãe chegou com um aquário na mão:
- Olha, filha! Até parece ser feito do mesmo material do sapatinho da Cinderela.
Mas a menina continou resistindo! Naquela época, a Cinderela não estava em seu melhor momento de fama. E a mãe seguia alimentando o bicho pra ele não morrer. Foi então, que uns cinco dias depois a menina decidiu ver aquela criaturinha. Chegou pertinho do aquário e deu umas três batidinhas com a ponta do dedo. O bichano chegou perto do vidro, arregalando os olhos como se quisesse ver a menina inteirinha. E seguidamente, fez um ritual de abre-fecha com a boca miúda, soltando algumas bolhinhas na água. A menina soltou uma risadinha:
- É, você é até engraçadinho.
E foi deitar pensando num nome pro peixe. Até que no outro dia, acordou e foi logo fazer sua certidão de nascimento. O nome era bem sugestivo: Camalepeixe. E pra quem nada tinha, até ganhou apelidinho: Lêpê!
Nascia ali uma amizade... Todos os dias, o Lêpê era o maior confidente de todos os tempos. Ela contava sobre o seu dia, ele a via fazendo a tarefa, dormia ao seu lado no criado. Era um conselheiro...
- Lêpê, se você acha que eu devo comer brócolis, solte três bolinhas. - Pausa para resposta do peixe. - Está certo, eu como!
E assim foi, até que numa manhã, ela acordou e como sempre, deu bom dia ao Lêpê dando três batidinhas no aquário. Ele não respondeu...
- Lêpê, deixe de ser dorminhoco. Até eu já estou acordada!
Mas ele não dava resposta. Não soltava bolhinhas... Nem abria os olhinhos esbugalhados! Foi então que ela entendeu: Lêpê estava morto.
Foi um dia triste! O peixe havia realmente se tornado um membro da família. A mãe ficou desgostosa no trabalho, o pai chegou a ir lá no aquário dizer adeus ao escamado. No fim da tarde, acabaram com as visitas ao falecido e a menina deu a idéia de enterrar o peixe. Durante o enterro, algumas lágrimas caíram e colocaram pra tocar aquela música do Milton Nascimento:
- Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar... - cantavam em coro.
Enterraram o peixe, após as rápidas palavras de saudade da garota. Começou a chover e todos saíram do quintal.
- Vamos fazer pipoca, mamãe? Eu adorava comer ao lado do Lêpê.
- Ô filha, a empregada já deixou a janta pronta.
Chegando na cozinha, abriram as panelas e viram que o jantar preparado era peixe frito. No dia seguinte, a empregada estava na rua e junto com o seu dinheiro, um recado escrito em letras maiúsculas: sua insensível!

2 de novembro de 2008

Parábola


Soundtrack: Other Lives - Black table

- Ah, quem te ensinou a ser assim? Como sempre tem razão ao me dizer não? Como sempre põe paixão ao me dizer sim? Por que tem piedade ao deixar-me um talvez? Para me ver aqui assim, perdida? Ah Vida, nesse caminho em que te fiz companheira inseparável parece que não me ensinas como romper do adeus! Já não aceito mais qualquer poeta, não respiro qualquer palavra, não assovio mais no ritmo antigo. Parece que fico a ouvir vozes me dizendo: vai, esquece, busca teu cais! Mas que cais? Nem barco tenho e aqui estamos, eu e você, a sentir enjôos do mar do esquecimento. Ah vida, que cadência é essa que marcas? Vou andando contigo, mas parece que só às vezes me vês aqui, nesse canto de sala, sabendo da troca dos meses somente por se olhar uma folhinha velha na parede. Na verdade, eu bem sei que não vais responder a essas perguntas, ficarás calada, me deixando ver esse espetáculo criado a cada dia, a cada amanhecer, a cada raiar. Mas acontece, que já se fizeram muitas manhãs e você só me mostrou que saudade pura não alimenta, nem se mastiga. Ah Vida, vai até lá e diz... Diz que não quero voltar, mas que por vezes ainda pego no vento palavras que, um dia, cheguei a acreditar que pudessem ser sem fim. Diz que ainda sinto o cheiro, ainda vejo o sorriso ao abrir a porta, ainda lembro das horas de poesia, das boas conversas, escuto até o silêncio. Diz que quando ele perceber que se encontra sem tino, poderemos nos encarar com sinceridade! E até lá a cadeira da amizade já estará acolchoada, nova em folha para ele se sentar. Mas por hora, Vida, peço novamente que me ensine como esticar as mãos para o adeus. Me ensina essa arte de outros encontros, pois ele já aprendeu. Pede o perdão se não gostei como devia e diz que perdôo por não me gostar como eu queria. E depois que o fizeres, volta e me diga: por que fazes isso com alguém que mesmo sem respostas não te largas as mãos? Por que fazes isso com tão bobo coração?
E prontamente a Vida respondeu, como se oferecesse rendição:
- Faço para que escrevas, menina!

31 de outubro de 2008

Subterfugindo

Sentada no no sofá começou a pensar que às vezes ficar triste faz bem. Na tristeza qualquer pormenor, qualquer espetada a leva a sentir as coisas com a alma. Como se criasse um misto de sentidos, como se a audição virasse tato e as bossas se fizessem novas, parecendo tocar o coração mais que o normal. Ouve-se Tom Jobim e parece que se está sentada no chão, próximo ao seu piano de cauda e deseja-se nunca mais levantar. Deseja-se ficar ali ouvindo sua voz baixinha, com o desejo de ser Luíza e, até mesmo, Lígia. Com o desejo de ganhar um samba-canção, um samba de uma nota só, um samba torto, pra realmente entortar os sentidos! É como se esse sentimento do tempo findo se sentasse ali no sofá ao lado, querendo dizer que "é impossível ser feliz sozinho"... Sente-se saudade de pessoas que nem conheceu, como a sensação de ganhar um afago do vento, de abrir um álbum de retratos em branco e preto e ficar buscando cores escondidas. Começa a indagar-se de que "pra quê tanto céu, pra quê tanto mar" e olhando pela janela da sala começa a acreditar que tudo lá fora é realmente uma inútil paisagem, começa a perceber que falta poesia na vida das pessoas e que realmente "é preciso inventar de novo o amor". O disco muda a faixa e subitamente entra Vinícius de Moraes pela porta. Ela pede então uma poesia em sua voz, pra mostrar pro mundo todo, pra ouvir naquele toca-fitas antigo e fica a clamar: "deixa, diz que sim pra não dizer talvez"! Sem respostas... Havia perdido a noção das horas e o disco acabara! Eis que ao olhar para os lados não viu mais o piano de Tom, nem as entradas do cabelo de Vinícius, eles fugiram. O motivo? Lá na rua, um carro passava berrando um tal de "late que eu tô passando". E num reflexo, olhou decepcionada para o calendário que marcava 31 de outubro de 2008.

25 de outubro de 2008

Agridoce


Soundtrack: Brandi Carlile - The story

Descobriu que não precisava de um olhar apaixonado, descobriu que às vezes bastava se olhar lá de longe, se olhar de rabeira de olho, se olhar escondido por detrás de um muro com um pequeno buraquinho feito pela saudade. Descobriu que podia nem olhar, se quisesse. Descobriu que podia ter a vontade de ficar calada, de andar sozinha, de sorrir por outros motivos, de deixar as coisas correrem paralelas. Descobriu que não era preciso temer o tempo, o consumo das horas de solidão, que não era preciso se ver motivo em tudo, que nem sempre tudo volta, mas nem sempre tudo se vai também. Descobriu que podia ir embora sem tchau, sem beijo e podia dormir sem um toque de mensagem. Descobriu que ao abrir a gaveta também se podia sentir cheiro bom e que era necessário apagar algumas marcas de grafite para começar certas manhãs. Descobriu que podia se pactuar por meio de músicas e ao ouvi-las nem sofrer, que podia não sentir falta de andar de mãos dadas. Mas a maior das verdades se fez naquele dia em que descobriu que o descobrir põe tudo à vista sim, mas só vê-se o que se quer (pelo menos, com os olhos da alma)! Descobrimento não é querença. E, sendo assim, ela não quis aceitar todas essas verdades descobertas... Preferiu ficar com algumas mentiras, que ao menos se faziam fiéis ao seu coração. Continuou embrulhando os sentimentos em papel celofane e dando a ele. Por algum tempo foi assim, até que morreu de amor. Um minuto de silêncio pela garota agridoce...

21 de outubro de 2008

Pranto que vale uma ilha


Soundtrack: Joshua Radin - What if you

"É difícil dizer a verdade, pois existe apenas uma verdade, mas ela é viva e, por conseguinte, tem um rosto que está sempre mudando."

Kafka em "Cartas a Milena"

Milena, doce Milena, deixaste de ser a musa passada de Kafka e te fiz minha musa. Mas hoje quando acordei, confesso que não pensei em você. Pela primeira vez nessas últimas semanas, pensei em mim. Na verdade já fui dormir com essa sensação: voar sozinho. Ontem ao andar pelas ruas dessa cidade suja, olhei para todos os lados em busca de sua face menina e pude então descobrir que numa certa época da vida todos temos que jogar fora um pouco de amor. Como o pipoqueiro que olha para os lados e não acha quem compre sua pipoca. Então no outro dia o que ele faz? Joga a pipoca fora e começa tudo de novo. Qual o problema? Não há problema, ora! Mas nesse caso, Milena, você jogou fora todo seu amor e não quis me avisar. Não avisou que sua pipoca era nova... E eu comendo o piruá. Agora chegou minha vez de jogar um pouco fora tudo isso que tem doído os dentes na hora de morder.
Vou comprar uma ilha e esse é mais um dos motivos para te escrever essa carta. Eu sei, você dirá que está fora da estação, que é mais cara nessas épocas, mas vou comprar mesmo assim. Isso você sempre fez bem, mesmo que não me amasse mais, sempre conseguiu cuidar bem desse homem aqui. Vou para essa ilha, ficar por lá algum tempo até que consiga lembrar como ser alegre novamente, até que consiga hastear uma daquelas bandeiras para minha nova pátria: ama-me ou deixa-me. Por hora, digo que o sentimento que invadiu meu peito foi o melhor dos últimos dias. Talvez só agora eu esteja sentindo o que você sentiu desde não sei quando. Ah, chega a até cansar o coração, não é?! Estou pensando em vários planos: quero andar descalço, escrever poemas por lá, ouvir o tilintar só do meu copo com uma bela garrafa de vinho, fazer uma casa e depois pintar de vermelho. Enfim, talvez nem sempre mande notícias, mas sempre mandarei um poema nem que seja dizendo que tenho saudade do nosso futuro. Afinal, tudo que se ama é um pedaço do nosso ser. Talvez um dia, Milena, você aprenda-me, você me chame, você conjugue-me. Agora, ouço Noel Rosa e ele canta para mim que "quem acha, vive se perdendo". Estou indo me achar, me perder, te perdi. Estou aqui para dizer: adeus, moça bonita!

15 de outubro de 2008

Pra sentir falta, sem falta!

- Doutor, o que é pra ser feito no coração dessa jovem?
- Colocaremos uma proteção... À prova de mágoas, saudades e indiferença.
- E no coração desse jovem ao lado dela?
- Não sei o que fazer só olhando-o assim por fora. Me parece tão calmo, como se nada o afetasse!
- Certo, doutor Tempo. Por onde começamos?
- Eles estão com as mãos unidas?
- Sim. Um em cada maca, mas com uma das mãos dada ao outro.
- Hum! Comece separando-os.
- Mas doutor, eles disseram um ao outro que não iriam se distanciar.
- Faça o que eu disse.
- Certo. E agora?
- Leve-a daqui...
E assim que o enfermeiro Destino foi levando a garota para longe do garoto, o coração dela entrou em disparada e ainda que desacordada, as lágrimas banharam seu delicado rosto...
- Doutor, o coração da menina disparou!
- Apenas leve-a embora.
- E quanto ao rapaz?
- Deixe-o aqui comigo. Ainda não reagiu! Vai demorar para sentir que ela se foi. Mas depois que sentir, aí sim eu saberei o que fazer no coração dele.
- E qual o nome dele?
- Escreva aí: Sozinho da Silva.

11 de outubro de 2008

Primavera para canhotos


Soundtrack: Ingrid Michaelson - Keep breathing

Ultimamente me tornei canhota. Tenho usado mais meu lado esquerdo em meus afazeres... Se pensas que tenho escrevido com a mão esquerda, se engana! Tenho utilizado meu coração. E não só porque hoje, ao caminharmos, nossa sombra já não se faz mais uma. Uso meu coração hoje como sei que você também faria. E usando meu coração, faço o que posso pra te entender, mas deixe que eu te ame. Deixe que eu não te ame, ainda que por alguns momentos. Deixe que eu me sinta feliz só por estar ao seu lado. Deixe que eu não queira estar ao seu lado, por não poder me mostrar por inteira. Deixe que eu pense que tinha que acontecer. Deixe que eu não queira assim. Deixe que eu te aceite como cobertor, como neve gelada. Deixe que eu te queira em tudo que você ainda se faz ausente...
Uso meu coração hoje para te falar por palavras. Uso meu lado esquerdo para te sentir, viver... Pois não há porque se colocar uma pedra nos meus sentimentos. Da pedra, logo nasceriam flores, afinal, é primavera. E pra quem realmente tem o coração do lado esquerdo, todo dia é!

6 de outubro de 2008

Morar-te


Soundtrack: Goo Goo Dolls - Iris

Hoje o sentimentolices deixa de lado suas tolices e se enche de sentimento puro e verdadeiro. Hoje e não só hoje, as lágrimas caem sobre meu rosto e, ainda que incessantemente, não me lavam. Hoje não se fazem personagens, não se caem máscaras, não se bastam finais felizes. E quem dera se como nos textos desse blog, na vida também bastasse escrever. Escrever eu faço bem, escrever é fácil. Juntar palavras sobre o que as pessoas gostam de ler é simples, tá na alma. Mas na vida não é assim. Na vida é mistura! Sentimento, vontade, derrota, sonho, tudo isso pra se viver.
Uma coisa que nunca fiz bem é esquecer. Assim como acho que esses textos daqui os tocam daí, as coisas do mundo facilmente passam a fazer parte de mim e neste exato momento, mesmo com tanto conhecimento, com uma vida em que não há do que se reclamar, me sinto só. Faz tempo que não me sinto assim. Acho que a ultima vez foi quando minha mãe saiu no meio da tarde e eu dormi ajoelhada na beirada da cama, esperando ela voltar. Quando acordei, ainda ajoelhada, a casa estava escura e eu achei que tinha passado dias ali dormindo. Achei que tinha ficado sozinha! Mas alguns minutos depois minha mãe saiu do meio da escuridão dizendo que não teve coragem de me acordar. Ela voltou. Mas nem sempre os outros voltam.
Nessa história que aqui conto hoje o verbo de entrada é o "tornar-se". É não imaginar que as coisas chegam a tomar tão grande tamanho, não imaginar que, ao mesmo tempo, você se torna totalmente diferente pro outro. Assim como a folha "torna-se" seca, o "tornar-se" é impossível de impedir. E no final, só existe um culpado e o nome dele é tempo. O tempo que passou rápido demais, o tempo que faltou, o tempo que deixou a saudade.
Hoje me sinto mais parte desse blog, minhas palavras não me abandonam. Hoje reconheço que ver alguém, não é só olhar! Hoje reconheço o poder da palavra: passado. Mas não reconheço ainda o "tudo passa"...
Pra você, não é necessário enrolação, por isso termino com o verbo do final de toda essa história de hoje (e se posso dizer, de sempre): amar. Amar você, o suficiente por nós dois...

20 de setembro de 2008

Piedade


Soundtrack: Jimmy Eat World - Hear you me

Partiu meu amor. Hoje ele decidiu me abandonar. Foi assim, eu acordei com as vistas escuras, cansadas, levou-me o olhar. Foi assim, acordei sem sensação de ter sonhado, sobrou só aquela de um sono veloz, levou-me num sopro. Foi assim, acordei sem noção da hora, levou-me o relógio elétrico da beira da cama. E o solar, porque o Sol se escondeu. Foi assim, acordei sem sorte, batendo na quina do criado, chutando o pé do sofá, levou-me o fado de viver. As paredes viraram reflectores de cinema, rodando filmes em preto e branco, levou-me a cor, mas deixou os filmes na cabeça. Nem procurei saber se também rasgou o que era meu, os retratos, os guardados, os usados. E eu usada! Cara suja de mágoa, mas sem nem uma lágrima. Foi assim, não sei o que se deu, se foi ele, se fui eu. Foi assim, desse jeito, acordei sem música, levou-me todas as notas. E levando todas as notas fiquei assim, sem rima.
Em cima da mesa, o meu coração batendo fraco e já com o coração na mão ouvi bem lá de dentro a mensagem deixada: não tive coragem de levar, bota no teu lugar que tudo passa. E colocando-o de novo no peito eu decerto, desertei!

9 de setembro de 2008

Primário

oi,
até pensei em dizer que aceito tomar sorvete com você, mas ontem a minha mãe me disse que amar é dizer não também.
beijo!

29 de agosto de 2008

Peixinho fora d'água

Quando era pequena, Clarice mergulhava sem abrir os olhos. Todo mundo abria os olhos, ela não. Tinha medo e por isso preferia ficar lá, no cantinho da piscina enquanto todo mundo abria os olhos lá embaixo e voltava sorrindo. Mas Clarice também sorria. Ela não abria os olhos lá embaixo, mas deixava-os bem abertos enquanto estava com eles fora d'água. Ficava olhando seus pés, os namorados passando abraçados, a maquininha de sorvete, a formiga passando na beirada da piscina. O que mais gostava de olhar eram as ruguinhas da mão, ela pegava a pontinha do dedo e ficava passando na boca, pra sentir o enrugadinho. O pessoal em volta vivia comentando: "mas qual a graça dela não abrir os olhos lá embaixo?". Clarice era carta marcada da piscina do clube social. Sempre que saía, todas as crianças olhavam pra ela e as mães cochichavam: "coitada da mãe, não verá a filha fazendo aula de natação como nossos filhos nunca". Mas a menina nem ligava, ninguém nunca entenderia a sensação de ver os dedinhos enrugados. Não era preciso se abrir os olhos lá embaixo pra ficar feliz, o mundo estava fora d'água e girava mais a cada instante. Com a rotação da Terra, os dias foram passando e Clarice ficou mais velha. Um dia conheceu Augusto e junto com ele abriu os olhos dentro da água. Claro, com uma parede de vidro na frente e em solo. Mas foi assim que ela finalmente conheceu tudo que estava lá embaixo. Viu que aquilo era bem melhor que o fundo da piscina e nem era preciso ficar com os olhos vermelhos. Ela nem gostava de natação mesmo...

14 de agosto de 2008

Geometria planamorosa

Pedro gostava das palavras. Adorava brincar com elas, trocar algumas letras aqui, ali e formar outras mil. Ele tinha uma namoradinha. É... Mas se alguém perguntasse quem era a namoradinha dele, logo esbravejava que não era namoradinha, era namorada. Gostava das palavras, mas não do diminutivo. E gostava de Bebel. Os dois saíam todas as tardes para ver o trem de ferro passar dentro da cidade e naquela tarde de sol não fora diferente. Ficaram lá parados, juntinhos, de mãos dadas, acompanhados de um silêncio sutil, chegando a ser até gostoso. De vez em quando ele olhava para ela e só então se dava conta de que eram dois. De repente, algo lhe veio à cabeça:
-Bebel, você é linda como um ângulo.
-Han?
-Um ângulo... Que pode ser simetricamente perfeito. Ou então, perturbadoramente imperfeito.
-Hum... Legal!
-Você não entende? Quero ser um ângulo também e ser consecutivo a você, para que nossos lados possam se coincidir. Quero ser seu complemento, suplemento, replemento!
E o trem passou.... O fim da história? Eles realmente eram dois ângulos, mas opostos pelo vértice e, nesse caso, iam contra a regra de igualdade. Pedro era 360, Bebel um 0, à esquerda!

18 de julho de 2008

Até a beira, besteira!

E a cada vez que fecha os olhos uma lembrança é recolhida da memória e amargamente jogada frente às pupilas, como se tudo acontecesse novamente. E então o pensamento voa, junto do olhar distante. E distante segue não só o olhar, mas distante também vai ficando a admiração, mesmo que ainda dê pra avistá-la no horizonte. Antes olhava para o lado e via aquele dia de chuva, a bicicleta, as pedras da rua... Agora tem medo de olhar e foge. Se esconde dentro do sorriso amarelo, da falta de palavras, besteira qualquer. Na verdade, leva a saudade e alguns dias até consegue ir ao horizonte pegar um pouquinho de admiração. Só não sabe ela que ele não é mais o mesmo, já colocou sapato novo, saiu por aí pra andar e conhecer outras ruas de pedra. Enquanto ela vai fechando os olhos e fugindo, fugindo... Fingindo!

26 de junho de 2008

Fel

E então Luíza se cansou. Se cansou do branco das paredes, dos dias frios, da neblina que insistia em pairar por todas as manhãs. Cansou do taco da sala, da poltrona velha. Cansou da falta de atenção, da repetição, do gosto do chiclete. Cansou de falar e ao mesmo tempo cansou do silêncio. Luíza esquecera como era sonhar, esquecera como era contar os minutos, agora vivia perdida nos dias. Até que decidiu ir embora e foi. Luíza tinha escolhido a ilusão e ilusões nunca duram muito tempo. Ninguém mais a viu... Corre o boato de que depois de chuvas de granizo ela sempre volta pra tirar as pedras de cima do carro dele. Na verdade, ela foi embora. Quem volta é o sentimento.

16 de junho de 2008

Lágrimas de super-bonder

Ela tocou a campainha. Os olhos vermelhos condenavam que tinha chorado, mas ele tinha que entender. Ninguém atendeu. Pensou em ir embora, pensou que até fosse um sinal, mas não acreditava nisso. Na verdade, ultimamente ela deixara de acreditar em muitas coisas. Só tinha a certeza de que não deixara de acreditar no que sentia, mesmo sabendo que isso deveria ser o melhor a se fazer. Decidiu ir embora, desceu uns dois andares de escada e parou. Ela não podia desistir agora... Ele tinha que entender. Voltou e tocou novamente a campainha. Esperou e a porta se abriu. Quando o viu ali, parado em sua frente, não sabia o que fazer. Até tentou sussurrar algumas poucas palavrinhas, mas elas não passavam pela garganta seca. Por um instante passou por sua cabeça beijá-lo, chegar bem perto e sentir seu cheiro, como sempre fazia... Só que seria tudo muito clichê e ela sabia o quanto ele odiava os clichês. E então, num gesto simples estendeu na direção dele um objeto vermelho, cheio de rachaduras, que parecia ter sido quebrado e depois colado com super-bonder.
-Toma. É todo teu!

14 de junho de 2008

So don't go away...

Passou a tarde toda na cama. Até que decidiu se levantar. Pegou uma garrafa de vinho, vestiu a meia colorida e colocou uma música pra tocar. Começou a andar pelo cômodo imaginando que ele estaria ali em sua frente, com sua camisa que combinaria com a cor do vinho. E em meio à andança, partiu para a dança. Levemente, suavemente, ela deslizava pelo taco abraçada dele. Quanto mais perto ficavam um do outro, surgia a sensação de que a música ia ficando mais baixa, de que a luz ia se apagando, de que o mundo estava parando de rodar. Eram sensações inexplicáveis! Eram, porque a última frase da música anunciava o fim da dança... O mundo voltou a girar e ela se lembrou de que estava sozinha no apartamento. Não tinha ele, não tinha toque, nem dança. O que restou foram lembranças, um recado num papel, tempo de sobra, a tal da saudade e meia garrafa de vinho.

3 de junho de 2008

Caminhos opostos, dispostos a caminho...

Eles eram sempre unidos. Sempre apaixonados. Sempre em sintonia. Tudo que um dizia, o outro sabia bem como completar. Tudo que um precisava, o outro sabia como ajudar.
- Eu amo você, Ana!
- Não mais do que eu te amo, João!
Passavam-se meses...
- Eu amo você, João!
- Não mais do que eu te amo, Ana!
Até que um dia João disse que ía embora. E ficou esperando o pedido de Ana para que ficasse com ela. Quando foi pegar o taxi, Ana pegou outro e nunca mais se viram.

20 de maio de 2008

20 mg de verdade!

A verdade é que eu sei de cor todas as suas 26 mensagens... E todos os dias tento lembrar de como era bom o começo de abril. De como era bom ter você presente, em cada momento, em cada plano, pensamento ou ação. De como era bom poder acordar sabendo que o dia ia ser cheio de você. E é incrível como a saudade realmente sufoca. Sinto saudade até quando sinto cheiro de café e de vez em quando sinto seu cheiro até no elevador. Lembro de cada olhar... O de sinceridade, o de sarcasmo, o de sono, o de graça, o de angústia, o de raiva, o de tédio e até o de "queria mesmo te ver". Lembro das brincadeiras, das risadas, do quanto eu ficava feliz com a sua piada mais boba, previsível e repetida. Das visitas em dia de sol e até em dia de chuva. Você havia virado a tal "pessoa que a gente procura e quando menos espera, acha". Em meio a tanta confusão, mentiras, você virou minha verdade. Não só meu apoio, virou meu amigo. Amigo de sorvete, de chocolate, de Two and a Half Man. Amigo de beijar na boca, de fazer cafuné, de sonhar, de passar o fim-de-semana. E de amigo, virou amor... Amor misturado com desejo, pele, cheiro, inteligência, músicas, filmes, carinho. Mas nesse vira-vira, uma hora você virou. De repente, não tinham mais mensagens, não tinha mais procura e acabou sumindo a vontade, o gostar de mim... E entre sumiços e aparecimentos, não dá pra se competir.
Talvez toda essa história seja complicada demais pra você querer entender. E seja mais fácil acreditar que não vai dar certo. Talvez o erro começou por mim e passou pra você e voltou pra mim e passou pra você... E acabe em alguém. Só quero que você saiba que por mais que eu queira que tudo isso acabe, não acabou. E não minto: sinto raiva do quanto as coisas parecem simples pra você... Ou vai ver, sempre foram. Não digo que preciso de você pra viver, porque não é assim também. Mas digo que com você, tudo seria melhor, bem melhor. Vou esperar! Talvez, involuntariamente, tudo isso mude e eu pare de (querer) chorar.
Mas ninguém... Ninguém sabe a falta que você me faz! E ninguém sabe o quanto eu te quis só pra mim.



quem sabe um dia você leia isso... (:

9 de maio de 2008

Por entre malas-diretas...

Mais um dia normal. Trabalho, trabalho, cansaço! Abriu o portão de casa e viu a correspondência jogada no jardim. Pensou em nem pegar, podia fazer isso amanhã! Ele já sabia que eram contas, folhetos de supermercado, malas-diretas e aquela inutilidade de sempre. Mas decidiu dar uma olhada e valeu a pena. Ao pegar a correspondência, além do habitual havia uma carta. Abriu o envelope com muito cuidado, um pouco de medo, mas bem lá no fundo sentiu que poderia ser um belo refúgio depois de mais um dia tão comum. Era uma única folha... Colocou os olhos sobre aquela letrinha toda redondinha e tão bem feita que dava vontade de roubar pra si. Leu cada palavra cuidadosamente... E então começou a sorrir. Em suas palavras, ela dizia que passara a acreditar nele e que daria mais uma chance pra que fossem felizes, porque tudo que mais desejava era que tudo pudesse voltar ao normal. As mensagens no celular antes de dormir, os filmes, as brincadeiras, os sorrisos, o suéter cheiroso...
Dobrou o papel, guardou na carteira e jogou todo o resto da correspondência no chão. Não era hora para contas, para promoções e muito menos cartões de crédito... Era hora de fazer daquele dia um dia diferente! E abrindo o portão ele disse:
- Eu também.

14 de abril de 2008

Açúcar ou adoçante?

Já dizia Renato Russo: "e hoje em dia, como é que se diz: eu te amo?"
Às vezes realmente fico pensando sobre isso... Será que sou uma exceção no mundo? Mas não vejo motivo das pessoas se orgulharem de se conhecerem e logo no primeiro olhar dizerem: eu te amo! Tá, hoje em dia algumas pessoas têm usado o "te amo" como arma de sedução... Diz que ama ali, diz que ama aqui e, pronto, pensa que tá no papo. Outras vezes o "te amo" vira brincadeira, diz pra agradar, diz pra não deixar o outro, vulgo "muito sentimentalizado", com vergonha de ser o único amando na relação.
E daí você conhece aquela pessoa especial, calça seu número, tem toda a imperfeição misturada com perfeição. Vocês saem. Momentos perfeitos, sorrisos e na despedida aparece um: já te amo. Ok! Não sei você, mas isso pra mim é brochante. Pelo amor de Deus, onde fica a parte que ele te conhece o suficiente pra dizer isso? Ah, você me ama? Então tá, como eu acordo? De bom humor ou querendo matar o primeiro que passar na minha frente? Como eu gosto do leite? Com nata ou sem? Eu gosto de sertanejo, funk, salsa? E se eu gostar, você vai me "amar" mesmo assim? E se meu filme preferido for o Titanic? Você vai vê-lo comigo sessenta vezes? E vai enxugar todas as lágrimas no final? E no dia que eu estiver nervosa, você vai virar a cara pra mim? E quando eu precisar, vai estar ao meu lado?
Esse é o risco. Dizer, mas no fundo não entender o que vem acompanhando esse "te amo". Amar de verdade é se emprestar um termômetro mesmo quando se está brigado. É querer defender, é conhecer, não tudo da pessoa (claro, porque isso nem nós mesmos sabemos), mas pelo menos saber se é açúçar ou adoçante, se é laranja ou melancia. É sentir diferença na voz ao telefone, é sentir ciúmes (sim!), é sentir saudades (o suficiente pra imaginar o que o outro está fazendo no exato momento!)... Amar de verdade não começa com um "amo você" logo de primeira. É preciso construção, não uma saidinha, um fim-de-semana... Amar de verdade começa com o respeito pela palavra amor!
E agora, Renato: quem vai nos salvar?

4 de abril de 2008

Bonequinha de boas-vindas

Já era uma da tarde e nada de Yasmin voltar para casa. A mãe já havia ligado na escola e disseram que ela já havia ido embora. Onde tinha ido parar aquela menina dos cabelos de chocolate? Então lá pras duas horas, a porta se abriu e entrou uma pequena criança de cabeça baixa.
-Meu Deus, onde você estava, Yasmin?
Ao levantar o rosto, Lúcia percebeu então a expressão triste no rosto da filha. E viu que havia começado a deixa-la com medo.
-Vem cá, minha linda. Senta no colo da mamãe e me conta o que te aconteceu.
Yasmin colocou a mochila ao lado do sofá e calmamente se sentou. Encostou-se no ombro da mãe, que já não entendia mais nada. Ficaram lá, mudas, durantes uns três minutos. Até então, que a menina decidiu falar:
-Desculpa mamãe. - disse em tom de choro.
-Desculpa por que?
-Por ter me atrasado para o almoço que a senhora preparou com tanto carinho.
-Oh, minha filha. Você me deixou preocupada. Onde você foi depois da aula?
Com as pequenas mãozinhas ela limpou algumas lagrimas que caiam, respirou bem fundo e começou a contar...
-Depois da aula, eu e a Bia viemos embora juntas. Só que no meio do caminho, a boneca de louça que a vovózinha dela tinha dado de presente, caiu no chão e quebrou.
-E você ficou ajudando ela a consertar?
-Não mamãe... Eu não sabia como consertar a bonequinha. Eu fiquei lá foi pra chorar com ela.


ê, bem-viiiinda, camilla :)