6 de dezembro de 2014

Ensaio


Soundtrack: Landon Pigg - Can't let go

Amar é como escrever um ensaio.
É criação, mas não tem provas para se basear: o amor é um passo no escuro. 
É poético, mas didático: o amor ensina.

Conheci João em um dia morno. Choveu pela manhã e a noite o tempo ficou estranho. Fazia calor, mas não tinha vento. Era como o sorriso dele, bonito, mas não tinha cor. João trocou somente três ou quatro palavras olhando para mim e eu não liguei. Não pareceu descaso, pareceu amor. Não precisou de roteiro, precisou de um abraço.  É como ver algo que a gente sempre desejou e perder as palavras. Quando eu amei de verdade foi quando eu menos usei as palavras. Com o tempo, João começou a falar mais e limpava minhas sujeiras interiores. Ouvir parecia tão melhor... Até que um dia, como tantos outros, ele parou o carro num lugar proibido. Um conhecido me ligou avisando e eu saí desesperada tentando impedir que levassem o carro embora. Sentei no capô, tampando a placa da frente com as pernas, enquanto o policial tentava escrever a multa. Ele parou o que estava fazendo, sorriu e disse: “você ama ele tanto assim?”. Fiquei sem palavras, sem ter o que dizer e aí percebi que isso poderia significar amor. Só dei um sorriso e consegui não ganhar uma multa. Minutos depois, João veio caminhando na minha direção e pela primeira vez, o sorriso dele tinha cor. Na verdade, naquele dia eu reparei o quanto ele ficava mais bonito sorrindo, de óculos torto e camiseta velha. Naquele dia, amei João e em tantos outros dias de quatro palavras ou mais.

Desconheci João em um dia quente. O sol entrou pela janela e acordei achando que era dia de trabalhar, mas na verdade era final de semana. Fazia calor, mas não tinha vento, assim como minha cabeça, cheia de ideias, mas sem nada pra pensar. Foi um dia estranho, seguido da necessidade de empurrar o peito para dentro com as mãos, impedindo o coração de sair. João levou embora a delicadeza e fez os tantos outros dias deslizarem pelos olhos com a velocidade das palavras, tão cheias de certeza. Não consegui mais imaginá-lo chegando, nem óculos torto e camiseta velha. Naquele dia não consegui ouvir qualquer barulho do mundo - fiquei surda para tudo que vinha de fora, competindo com todo o barulho de dentro. Foi como um dia em que a gente dormiu abraçados uma tarde inteira e quando acordamos já estava escuro, meu braço com câimbra e ele com dor no pescoço. Talvez seja isso... O amor dormiu e acordou diferente, cheio de dores e cansaços. Uma amiga perguntou: “você ama ele tanto assim?” e fiquei sem palavras. Pela primeira vez, isso pareceu um soco no estômago. Era injusto e não desejei que significasse amor. Não parecia amor. João tão cheio de palavras, pessoas, debates e eu sem nada pra dizer. João tão cheio de segurança, rancor, voz alta e eu sem nada pra sentir. Naquele dia, desconheci João e em tantos outros dias de quatro silêncios ou mais.