26 de março de 2012

Previsão do tempo



Soundtrack: John Mayer -  Comfortable

Me diz então: como é que você cabe em tanta coisa? Você cabe no barulho de chuva batendo no vidro da sacada, cabe na rúcula, na mostarda, no barulho que os pneus fazem dentro da garagem quando chego em casa. Você cabe nas 500 histórias que eu conto sobre como as pessoas aprendem a ser independentes e cabe até no meu cansaço de trabalho. Você vira cada gota de água que cai do meu chuveiro, cada música que sai dos meus fones de ouvidos, você vira cada vazio que ecoa ao final do dia. E aí lembro de quando te conheci e não dei a mínima pro seu jeito relaxado, pro seu papo repetido. Mas não lembro onde você me ganhou, não lembro em que parte daquele encontro você me arrancou um sorriso daqui de dentro que não me fez te atirar contra as pedras, como eu costumava fazer com as pessoas que tentavam se aproximar de mim com litros e litros de clichê barato. Não lembro se eu sorri, mas lembro que você sorriu, branco, verdade, mentira. Não sei se minha perna tremeu, mas sei que você usava uma bermuda xadrez linda e reparei na sua panturrilha quando você se virou (e ela também era linda). Não lembro se eu arrepiei, mas lembro que sua mão tirou minha franja do olho, na mesma velocidade em que eu via seus olhos úmidos e dilatados no escuro da falta do que dizer. Não lembro o que eu fui, mas lembro tudo o que você fez. Não lembro se te contei que gostava de homens charmosos, mas lembro de você me roubando um selinho enquanto eu falava, seguido da minha boca aberta partindo para um sorriso. Desconfiada, você me desarmou. Colou uma junção de mãos por cima do momento e me girou, te vendo passar pela minha retina embaçada. Não lembro se meu coração bateu forte, mas lembro de você olhar pra mim enquanto eu girava e dizer: me dá seu telefone. E eu dei. Feito jogo de bingo, cantei todos os números e quase perguntei: você anotou mesmo? Você vai me ligar mesmo? Isso é verdade mesmo? Diante de tanta gente, não lembro se você pareceu ser meu, nem se eu pareci ser sua, mas talvez chegamos a ser alguma coisa do tipo "nós".
É engraçado dizer isso, mas meu último olhar pra você naquele dia foi um dos melhores que eu já dei num primeiro encontro. Foi como sentir o coração batendo forte só de se encostar o joelho, foi como sentir o canto da boca coçar de vontade de sorrir. Depois que você foi embora, a anestesia passou. Deixei meu número ser só um sapatinho da Cinderela e mais fácil do que ficar procurando de pé em pé, agora era só me ligar. E lembro da sua primeira mensagem: "já estou com saudades". Sem te ter por perto, pude observar como eu ficava quando o assunto era você. Queria escrever tanta coisa, pra falar de tanta coisa, até me freiar num: "eu também :)". Cheguei a lembrar daquilo que os antigos costumavam dizer sobre ternura e que eu já não acreditava. Talvez ali o mundo sacudiu, seguidos de outros sorrisos, beijos, joelhos, barrigas, coxas, arrepios bons, sapatinhos de Cinderela. Por algum tempo, senti sua falta. Mas ficou grave quando senti sua ausência, com seu carimbo, sua assinatura, minha responsabilidade. Nesse vazio com seu nome, preferi sorrir e parecer independente, como as 500 histórias que eu aprendi a contar. Preferi falar que a gente se encontra por aí, enquanto eu conto os dias num calendário sem data prevista. Porque sei que isso vai te dar medo, como todas as outras coisas que tentam te desviar do seu percurso, que tentam te dar saudade de coisas que nem foram. E estranhamente, sem te tocar, a sensação é de que você agora parece bombril limpando meu amor próprio, meio enferrujado, meio sujo, meio velho. Como se nesse sumiço você mandasse o recado: troca o freio.
Não sei se estou bem, se estou mal, se estou pro que der e vier ou se só estou aqui precisando selecionar melhor as músicas (que doem mais) no meu MP3. Não sei se Deus aceita pedidos amorosos ou se é nessas horas que ele pisca os olhos e não presta mais atenção. Mas talvez se Ele só puder me ouvir, quero pedir o gosto de rúcula na boca de volta. Quero que a chuva não me incomode por lembrar de você deitado com meu rosto no seu peito. Quero só sentir o cansaço do trabalho, sem ter que pensar se você também está cansado, se também pensou em mim, se também sentiu vontade de me mandar uma mensagem. E até você decidir aparecer, só me ensina como caber nas minhas coisas também. Ou me ensina a ter medo de ser feliz com você, porque acho que vai começar a chover e, agora, você já sabe o que acontece.

12 de março de 2012

Let me be



Soundtrack: Bon Iver - Flume

Antes de você falar, não me culpe. Eu tenho essa péssima mania de ser mandada pelo meu coração e vezenquando ele diz coisas que eu não sei filtrar. Não me culpe se ele te escolheu para olhar. Não me culpe por não saber filtrar esses olhares em cima do que é, em cima do que pode ser, em cima do que não foi (e nem será). Ainda não sei até onde vai a linha entre as vontades que vivem e as vontades que morrem. Não sei onde se esconde a simplicidade que é ignorar, virar a página, esquecer. Não sei em que ponto as renúncias acabam se recolhendo e dando lugar a uma segunda chance de te olhar com carinho. Não sei como você injetou esse doce dentro de mim, fazendo essas formigas andarem por todo meu estômago quando me aproximo da ideia do quanto dava pra ser feliz. Ou será que elas só se mexem de fome? Sem comida, sem doçura. Pedindo um asilo, um novo lugar pra viver ou então só um destino pra iniciar o nomadismo. Bate aqui no meu peito, sente o oco? Pois é, eu tô tão cheia e mesmo assim pareço não ter nada. Talvez esse barulho seco vem dos vários "quase" que você empilhou aqui dentro de mim. Quase feliz, quase diferente, quase juntos. O que era "um mais um igual a dois" virou uma conta estranha, uma operação matemática difícil de resolver. E nessas horas onde se meteu a minha intuição? Nunca foi boa com contas e ainda assim fiquei ali tentando nos resolver. Somei, multipliquei e não adiantou: em resultado pequeno qualquer subtração maior do que a gente é vira número negativo. O mal dos relacionamentos é esse, não queremos nos machucar, mas quando isso acontece escolhemos sofrer. A gente tem dias de adorar ver a casquinha da ferida crescer, mas temos dias em que gostamos mais ainda de ficar arrancando pedacinho por pedacinho. E depois de tirar tudo, deixamos a carne ali pra mostrar e exemplificar a dor. A gente precisa esmurrar o coração, bater a cabeça, machucar o corpo. A gente esgota as possibilidade até que surge uma força interna, maior do que a dor que diz: tá na hora de parar de arrancar casquinha. Nesse momento você percebe que desarrumar a casa te faz perceber o quanto é bom ter as coisas no lugar. Quando estamos em ordem aqui dentro, sabemos exatamente onde procurar o que precisamos. Sabemos que naquela gaveta ficam os sorrisos, enquanto naquela cômoda a gente guarda o amor próprio.
Antes de você falar, não me culpe. Me deixa te agradecer pelo que foi e só me dá um murro bem dado, pra machucar e ver que nisso tudo você não sente nada, nem uma dorzinha na mão, porque você é forte e quem sempre acaba doendo sou eu. Mé dá um murro pra machucar, pra dar ferida. Me deixa tentar te ver ali naquela casquinha crescendo esquecida, sem a mínima vontade de mexer. Me deixa tentar descobrir onde você morre nessa história, porque eu já tô cansada de saber só onde você nasceu. E aproveita que já tá batendo e mata essas formigas que você enfiou aqui.