1 de fevereiro de 2015

Pequenas mortes cotidianas

Soundtrack: Kodaline - All I Want

Sabe quando, de repente, o ouvido da gente parece tampar e percebemos um leve zumbido? Isso tudo pode ser um sinal de morte celular não programada. Quando menos se espera, sentimos uma parte de nós morrer e pronto, tá ali, o fim. Nessa lógica, percebi que somos feitos de outras pequenas mortes cotidianas. Algumas mais silenciosas e duradouras do que um zumbido, mas ainda assim funcionam como um adeus. Um dia, percebemos que certos lugares não nos afetam mais, que certos sentimentos já não se embaralham no viés que é a vida. Já não cabe mais raiva, rancor, mágoa... Já não se sabe mais contar como era aquela história preferida que sempre ficava mais linda a cada repetição. De repente, já falamos "não" quando a vida tenta te fazer olhar para trás, naquela hora desprevenida, entre uma música e outra ou entre um gole e outro de cerveja. 
Pequenas mortes entram em sua vida mesmo quando tudo que se desejou foi acreditar na vida das memórias. Elas entram naquela pequena passagem que as mentiras fazem e de lá seguem caminho para o inconsciente. Até que acordamos e não existe mais o mesmo cheiro, não existe mais o mesmo gosto, não existe mais a mesma dor e nem o medo - de amar de novo, de sentir de novo, de sofrer de novo. Somos renovados pelas pequenas mortes cotidianas e criamos assim novos espaços para viver e nos reencontrarmos nesse ciclo. Como a borboleta que abandona seu casulo, nascemos a cada abandono do que passou e sentimos a liberdade que é o vento novo batendo no rosto, abençoando nossas cicatrizes... Pequenas mortes selecionam e fortalecem o que há de melhor em nós, pois é isso que sempre resta. Os risos simples, os sonhos, a companhia da sua própria fé e o amor verdadeiro. Pequenas mortes nos salvam e nos dão pele nova pra transpirar, mesmo quando nem sabemos, mesmo quando tudo parece não fazer sentido. Elas nos relembram um pouco da nossa humanidade e da nossa fraqueza, quando percebemos que sofrer é inevitável em qualquer parte do caminho, mas que, às vezes, para que algo morra é preciso que a gente caia junto, no aguardo do nosso renascimento. E assim, entendemos que nesse caminho atropelado por descuidos, a nossa história deve sempre caber dentro de nós e não dentro do que os outros criaram para nós. 
Vale a pena morrer... Vale a pena o zumbido, vale a pena o silêncio, vale a pena o grito interior e o estouro, vale a pena cada lágrima, pois isso tudo é a vida - aquela mesma que um dia você deixou de lembrar que controlava.