13 de novembro de 2008

Sobre a sensibilidade


Soundtrack: Regina Spektor - On the radio

Lá pros seis anos de idade, ela pediu um cachorrinho de presente. Dois dias depois, a mãe chegou com uma sacolinha em casa e entregou à menina dizendo:
- Toma, esse é teu bichinho de estimação.
Era um peixe. Meio verde, meio azul, meio vermelho, chegava a abandonar sua espécie e virar um camaleão. Era tão diferente do que tinha sonhado. Queria uma companhia para brincar, para correr pela casa, para acordá-la com uma lambida. Queria alguém para apertar, fazer carinho, ganhar carinho. Sonhava com o momento em que chegasse da escola e tivesse aquele bichinho peludo a esperar por ela na porta de casa, a abanar o rabinho de alegria.
- Mas mamãe, um peixe?
E a mãe só dizia que peixe não sujava a casa, não era caro de cuidar e não fazia bagunça.
O tal do peixe ficou sem nome por um dia, aliás, ficou sem nome, sem atenção e sem casa. No máximo, ganhou um olhar de desdém da menina, quando ela chegou da escola e não viu um rabinho abanando. Até que no outro dia, a mãe chegou com um aquário na mão:
- Olha, filha! Até parece ser feito do mesmo material do sapatinho da Cinderela.
Mas a menina continou resistindo! Naquela época, a Cinderela não estava em seu melhor momento de fama. E a mãe seguia alimentando o bicho pra ele não morrer. Foi então, que uns cinco dias depois a menina decidiu ver aquela criaturinha. Chegou pertinho do aquário e deu umas três batidinhas com a ponta do dedo. O bichano chegou perto do vidro, arregalando os olhos como se quisesse ver a menina inteirinha. E seguidamente, fez um ritual de abre-fecha com a boca miúda, soltando algumas bolhinhas na água. A menina soltou uma risadinha:
- É, você é até engraçadinho.
E foi deitar pensando num nome pro peixe. Até que no outro dia, acordou e foi logo fazer sua certidão de nascimento. O nome era bem sugestivo: Camalepeixe. E pra quem nada tinha, até ganhou apelidinho: Lêpê!
Nascia ali uma amizade... Todos os dias, o Lêpê era o maior confidente de todos os tempos. Ela contava sobre o seu dia, ele a via fazendo a tarefa, dormia ao seu lado no criado. Era um conselheiro...
- Lêpê, se você acha que eu devo comer brócolis, solte três bolinhas. - Pausa para resposta do peixe. - Está certo, eu como!
E assim foi, até que numa manhã, ela acordou e como sempre, deu bom dia ao Lêpê dando três batidinhas no aquário. Ele não respondeu...
- Lêpê, deixe de ser dorminhoco. Até eu já estou acordada!
Mas ele não dava resposta. Não soltava bolhinhas... Nem abria os olhinhos esbugalhados! Foi então que ela entendeu: Lêpê estava morto.
Foi um dia triste! O peixe havia realmente se tornado um membro da família. A mãe ficou desgostosa no trabalho, o pai chegou a ir lá no aquário dizer adeus ao escamado. No fim da tarde, acabaram com as visitas ao falecido e a menina deu a idéia de enterrar o peixe. Durante o enterro, algumas lágrimas caíram e colocaram pra tocar aquela música do Milton Nascimento:
- Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar... - cantavam em coro.
Enterraram o peixe, após as rápidas palavras de saudade da garota. Começou a chover e todos saíram do quintal.
- Vamos fazer pipoca, mamãe? Eu adorava comer ao lado do Lêpê.
- Ô filha, a empregada já deixou a janta pronta.
Chegando na cozinha, abriram as panelas e viram que o jantar preparado era peixe frito. No dia seguinte, a empregada estava na rua e junto com o seu dinheiro, um recado escrito em letras maiúsculas: sua insensível!

5 comentários:

Anônimo disse...

Juro que meus olhos estão cheinhos de lágrimas. Amei, amei. Amo tudo aqui, amo você também! Amo demais.

Alexandre Spinelli Ferreira disse...

Primeiro Amor

Apenas seis anos
Ainda era uma criança
E descobriu o amor

Não foi paixão fulminante
Assim, à primeira vista
Foi aos poucos
Sendo conquistada
Como todo grande amor

Quando se deu conta
Já era tarde
Ele já era seu melhor amigo
Seu confidente
Via seus olhos brilhantes
Sempre que estava por perto

Apenas seis anos
Ainda era uma criança
E descobriu a perda

Seu amor se foi
E descobriu mais
O mais importante
O mais doído
Todo amor um dia acaba
Todo grande amor é fugaz

Ele se foi
Seu peixinho
Seu amigo escamado
Seu primeiro amor

Anônimo disse...

Sei de um menino que tinha um dachshund (bassezinho). Depois que o cachorro morreu, o menino ficou um ano sem comer cachorro quente... rs
Beijo

W. A. S. disse...

Engraçado, inocente e triste.
Muito bom. ^^

Ronilson Alves disse...

Lindo Milla!
é puro, parte de você...
EMOCIONANTE!
comum final fantásticamente diferente e engraçado!
estou amando ler seus textos!