26 de abril de 2015

Quando o mundo para


Soundtrack: The Head and The Heart - Rivers and Roads

Quantas vezes a sensação de que o mundo parou pode caber em uma vida? Pensamos que a raridade desses momentos acaba equivalendo à capacidade de sentir as coisas intensamente, ao ponto de tudo parecer pequeno e efêmero diante daquele “timing” – o tal nem antes, nem depois, a tal exatidão. Mas descobri a real diferença entre as duas coisas. Costumava classificar meus timings em momentos superestimados por mim, seja para a alegria, seja para a tristeza. Esses momentos, de cinco segundos ou mais, onde tudo que se vive é a sensação devastadora de que algo em nós se desprende e fica do lado de fora, gravando o que estamos vivendo. Mas, a sensação de que o mundo parou pode ser cruel quando não aprendemos a diferenciar a intensidade do que elas podem representar. E aí vem a diferença. Nesse lapso que são as memórias, essa sensação chegou nos dias em que eu pude sentir como somos realmente carne, ossos e intermináveis portas sensitivas. Seria basicamente impossível não dizer que os meus verdadeiros timings aconteceram nos momentos mais intensos da minha vida. Mas descobri que, na verdade, meu mundo também pareceu parar naqueles momentos mais simples, que cabem dentro das grandes coisas. Lembro-me de tudo parar quando, sem ver, tocaram minha mão sem querer ou em meio a olhares sem contexto, daqueles que são tão curtos, mas que é possível se enxergar ali, dentro da pupila do outro. Meu mundo parou também na simplicidade de alguns fracassos, como não saber dizer tchau, como não saber o que falar diante de algo ou diante de alguém que não falou o que eu queria realmente ouvir. Ele parou quando tão rapidamente planejei um sonho inteiro para minha vida, junto de um pôr-do-sol inesperado, de um vento no rosto num dia cansativo...

A verdade é que percebi que para que o mundo realmente dê uma daquelas paradas que fazem diferença, é preciso estar acompanhada da reciprocidade. A vida já é muito insinuadora de sentimentos pequenos com cara de companhia ou de ausências que nos acompanham mais que a própria sombra. Concluí então que é preciso escolher bem o que seremos nesse caminho desavisado. É preciso decidir o que realmente tem o poder de, em cinco segundos ou mais, dar um stop em tudo. Então, esqueça a intensidade. Esqueça as velhas histórias de que quando o mundo parar, saberemos que estamos num caminho certo. Esqueça o tal “isso é um sinal”. Só faça questão de que, naquele momento único, você tenha alguém inteiramente disposto a dançar, com os pés, a cabeça e o coração... Ainda que seja a sua própria companhia. A vida também tem disso - chama-se coragem.

1 de fevereiro de 2015

Pequenas mortes cotidianas

Soundtrack: Kodaline - All I Want

Sabe quando, de repente, o ouvido da gente parece tampar e percebemos um leve zumbido? Isso tudo pode ser um sinal de morte celular não programada. Quando menos se espera, sentimos uma parte de nós morrer e pronto, tá ali, o fim. Nessa lógica, percebi que somos feitos de outras pequenas mortes cotidianas. Algumas mais silenciosas e duradouras do que um zumbido, mas ainda assim funcionam como um adeus. Um dia, percebemos que certos lugares não nos afetam mais, que certos sentimentos já não se embaralham no viés que é a vida. Já não cabe mais raiva, rancor, mágoa... Já não se sabe mais contar como era aquela história preferida que sempre ficava mais linda a cada repetição. De repente, já falamos "não" quando a vida tenta te fazer olhar para trás, naquela hora desprevenida, entre uma música e outra ou entre um gole e outro de cerveja. 
Pequenas mortes entram em sua vida mesmo quando tudo que se desejou foi acreditar na vida das memórias. Elas entram naquela pequena passagem que as mentiras fazem e de lá seguem caminho para o inconsciente. Até que acordamos e não existe mais o mesmo cheiro, não existe mais o mesmo gosto, não existe mais a mesma dor e nem o medo - de amar de novo, de sentir de novo, de sofrer de novo. Somos renovados pelas pequenas mortes cotidianas e criamos assim novos espaços para viver e nos reencontrarmos nesse ciclo. Como a borboleta que abandona seu casulo, nascemos a cada abandono do que passou e sentimos a liberdade que é o vento novo batendo no rosto, abençoando nossas cicatrizes... Pequenas mortes selecionam e fortalecem o que há de melhor em nós, pois é isso que sempre resta. Os risos simples, os sonhos, a companhia da sua própria fé e o amor verdadeiro. Pequenas mortes nos salvam e nos dão pele nova pra transpirar, mesmo quando nem sabemos, mesmo quando tudo parece não fazer sentido. Elas nos relembram um pouco da nossa humanidade e da nossa fraqueza, quando percebemos que sofrer é inevitável em qualquer parte do caminho, mas que, às vezes, para que algo morra é preciso que a gente caia junto, no aguardo do nosso renascimento. E assim, entendemos que nesse caminho atropelado por descuidos, a nossa história deve sempre caber dentro de nós e não dentro do que os outros criaram para nós. 
Vale a pena morrer... Vale a pena o zumbido, vale a pena o silêncio, vale a pena o grito interior e o estouro, vale a pena cada lágrima, pois isso tudo é a vida - aquela mesma que um dia você deixou de lembrar que controlava.

15 de janeiro de 2015

Mais gelo, por favor.

Soundtrack: Ben Howard - Black Flies

Sem pressa, a pessoa que é sincera com seus sentimentos é aquela que não toma o suco de uma vez. É aquela que, talvez, prefira ver o seu gelo derreter para esperar o suco do outro chegar. Sem simplicidades, a verdade é capaz de definir uma memória inteira de alguém. Por ela, chegamos até as profundezas do outro e podemos vê-lo vestindo sua melhor ou sua pior lembrança.  Assim funciona o mundo de quem decide sempre invadir a vida das pessoas com esse papo de respeito às verdades, se tornando necessariamente destinado a ficar mexendo o açúcar do fundo do copo de suco. Por quê? Nem todos são assim. A necessidade de viver a verdade de cada coisa nos cega e não nos deixa nunca ver a opção “tanto faz” do outro. Tanto faz se precisamos nos preocupar com o que os outros sentem. Tanto faz se a vida é curta, se ela é leve e os chavões estão aí para a gente dizer sempre um grande foda-se para qualquer coisa que a gente sabe que não tem mais poder de controlar. Tanto faz se a vida tem tantas esquinas e que em nenhuma delas vamos desejar que alguém seja verdadeiro com a gente. Tanto faz um coração em paz, quando é mais fácil abraçar qualquer ideia simples de mastigar.


Poucas pessoas sabem viver a verdade, assim como digeri-la e assim se embrenham na mata do tanto faz. Poucas pessoas tem a coragem de sentir as coisas sendo fiéis ao que desejam, ao que são, aos momentos e acabam esquecendo como é a aparência dramática de não ser quem se é realmente. Pouca gente sabe entender o gelo derretido, o açúcar da espera no fundo do copo... E aos que vivem a verdade, resta a espera. Resta o corpo amolecido de tantas vezes que a racionalidade quis bater, mas o coração foi maior. Resta essa caminhada de ida e volta para a paz interior, mas sempre querendo bater nos muros dessa impermanência que é o tanto faz. Esperando cada tijolo da dúvida cair e sobrar somente aquilo que vale a pena. Mas até lá, espera-se, já que esperar faz parte da sinceridade. Esperar pelo inesperado não nos dá a chance de aumentar o valor do que vem, pois aquilo que se tem será sempre o tudo naquele instante. E só.

6 de dezembro de 2014

Ensaio


Soundtrack: Landon Pigg - Can't let go

Amar é como escrever um ensaio.
É criação, mas não tem provas para se basear: o amor é um passo no escuro. 
É poético, mas didático: o amor ensina.

Conheci João em um dia morno. Choveu pela manhã e a noite o tempo ficou estranho. Fazia calor, mas não tinha vento. Era como o sorriso dele, bonito, mas não tinha cor. João trocou somente três ou quatro palavras olhando para mim e eu não liguei. Não pareceu descaso, pareceu amor. Não precisou de roteiro, precisou de um abraço.  É como ver algo que a gente sempre desejou e perder as palavras. Quando eu amei de verdade foi quando eu menos usei as palavras. Com o tempo, João começou a falar mais e limpava minhas sujeiras interiores. Ouvir parecia tão melhor... Até que um dia, como tantos outros, ele parou o carro num lugar proibido. Um conhecido me ligou avisando e eu saí desesperada tentando impedir que levassem o carro embora. Sentei no capô, tampando a placa da frente com as pernas, enquanto o policial tentava escrever a multa. Ele parou o que estava fazendo, sorriu e disse: “você ama ele tanto assim?”. Fiquei sem palavras, sem ter o que dizer e aí percebi que isso poderia significar amor. Só dei um sorriso e consegui não ganhar uma multa. Minutos depois, João veio caminhando na minha direção e pela primeira vez, o sorriso dele tinha cor. Na verdade, naquele dia eu reparei o quanto ele ficava mais bonito sorrindo, de óculos torto e camiseta velha. Naquele dia, amei João e em tantos outros dias de quatro palavras ou mais.

Desconheci João em um dia quente. O sol entrou pela janela e acordei achando que era dia de trabalhar, mas na verdade era final de semana. Fazia calor, mas não tinha vento, assim como minha cabeça, cheia de ideias, mas sem nada pra pensar. Foi um dia estranho, seguido da necessidade de empurrar o peito para dentro com as mãos, impedindo o coração de sair. João levou embora a delicadeza e fez os tantos outros dias deslizarem pelos olhos com a velocidade das palavras, tão cheias de certeza. Não consegui mais imaginá-lo chegando, nem óculos torto e camiseta velha. Naquele dia não consegui ouvir qualquer barulho do mundo - fiquei surda para tudo que vinha de fora, competindo com todo o barulho de dentro. Foi como um dia em que a gente dormiu abraçados uma tarde inteira e quando acordamos já estava escuro, meu braço com câimbra e ele com dor no pescoço. Talvez seja isso... O amor dormiu e acordou diferente, cheio de dores e cansaços. Uma amiga perguntou: “você ama ele tanto assim?” e fiquei sem palavras. Pela primeira vez, isso pareceu um soco no estômago. Era injusto e não desejei que significasse amor. Não parecia amor. João tão cheio de palavras, pessoas, debates e eu sem nada pra dizer. João tão cheio de segurança, rancor, voz alta e eu sem nada pra sentir. Naquele dia, desconheci João e em tantos outros dias de quatro silêncios ou mais.

29 de novembro de 2014

A teoria das bolachas quebradas



Soundtrack: Tristan Prettyman - Say Anything

Por algum tempo cheguei a pensar que quando a vida parece não concordar com nossos planos, o melhor era simplesmente aceitar. “Siga em frente” é o que sempre dizem as placas durante o nosso caminho. Poucas são as de retorno e ainda assim, quando é preciso retornar numa estrada, temos que seguir em frente até algum ponto para, então, conseguir voltar. Deixar passar...Tudo na vida nos direciona para o que vem. Desde criança, quando deixamos a bicicleta com rodinhas de lado, seguimos em frente em duas rodas e nunca mais queremos saber da fragilidade dos desafios passados. Quando somos adolescentes, fazemos uma prova e se formos bem, nunca mais queremos saber o que erramos em uma questão. E então, viramos adultos, numa terra onde a regra do seguir em frente se torna mais banal do que nunca. Perdeu o emprego? Siga em frente. Terminou um namoro? Siga em frente. Seu carro foi roubado? Siga em frente. Os sentimentos se atropelam mais ainda e a única coisa que desejamos em alguns dias é uma ponte, que nos faça atravessar qualquer abismo mais rapidamente. A verdade é que a gente sempre quer pular para a parte feliz de qualquer história. Ninguém quer ficar para trás... Vamos ao ritmo das tecnologias, competindo programas que façam coisas mais geniais do que os antigos. Vamos no ritmo dos livros em tablets, dos cigarros sem cheiro, da pressa no trânsito, das entregas pela internet. Mas ainda assim, com tanto futuro a vista, ainda temos medo da tristeza. Temos medo daquilo que abate a gente numa sexta à noite, numa quarta à tarde, num por do sol ou em uma música. A gente tem medo da solidão e, assim, seguir em frente, parece sempre o melhor meio de não estar em casa quando ela tenta chegar. Às vezes, me pego ansiosa tentando visualizar um futuro, só que, ao mesmo tempo, tenho alguns medos quando ouso falar do passado. É mais fácil assumir que vamos errar um dia do que discutir sobre o que já erramos. É sempre mais fácil encarar a alegria, do que a tristeza com uma pitada de ausência. O que a gente nem sabe é que até mesmo a ausência é algo que está sempre conosco. Estranho né? Estamos sempre aqui no presente e ao mesmo tempo chegamos a desejar nunca estar no passado, sendo que ele também faz parte do que a gente é. A vida não isola nossas partes. A vida real não é como sempre poder escolher o pacote sem bolachas quebradas, nem como poder trocar a roupa que veio com algum defeito. Somos pedaços de um todo, jogados em meio as nossas decisões. Não dá pra sempre ser feliz. Aceite isso... Mas a verdade é que tudo seria mais simples se nos déssemos o direito de sofrer. Olhar para trás. Não querer seguir em frente, mesmo que por dez segundos. Se arriscar de novo não é pecado, mesmo quando tudo já parece ter sido o suficiente. Meça sua maturidade pela capacidade de ainda se emocionar e não pelo medo de parecer fraco quando a placa de retorno parecer ser a melhor opção. A vida começa quando você aprende a se carregar sozinho e nessa tarefa, não cabe a vergonha de ser o que você realmente é: coma as bolachas quebradas também. Sempre.