21 de outubro de 2009

Rien de rien


Soundtrack: Marcelo Camelo - Saudade

Era uma vez uma velhinha. Morava numa casa cheia de jardins onde vivia plantando lembranças e dizia não saber enterrá-las sem adubo, como se fazia com o rancor. Para os erros tinha um cantinho reservado, onde os maiores eram sempre regados com perdão e os menores com um pouco de esquecimento. De vez em quando, alguns fugiam e acabavam por ser plantados ao lado das lembranças e aí ela passava dias tentando consertar a escapada e colocá-los de volta no lugar. Por muito tempo a tal velhinha viveu acompanhada de um velhinho que sempre a ajudou a cuidar dos afazeres da casa, assim como nunca deixava que ela se esquecesse do quanto era necessária na vida de todos, principalmente na dele. Um dia, com a queda da última folha da árvore no quintal, o velhinho se foi, junto do outono. E veio o inverno... Os jardins ficaram abandonados, as lembranças foram secando, o rancor foi criando raízes e os erros fugiram, tomando conta da casa. Já não se ouviam mais músicas vindas lá de dentro, era um silêncio que já havia deixado de ser luto e se tornara indiferença. O assoalho foi ficando sujo e a velhinha já não se via mais como alguém importante. "Como posso seguir assim? Manca?", dizia ela. Sem plantar as lembranças, a velhinha foi ficando esquecida. Esqueceu a receita de bolo preferida do velho, do dia em que se conheceram, esqueceu do cheiro, esqueceu da risada... Esqueceu de dar uma xícara de afeto para o vizinho, esqueceu de abrir a cortina e assim esqueceu do Sol lá fora. Esqueceu a sensação de chão gelado, de cheiro de chuva, das músicas boas, esqueceu até de seu nome: Saudade. A vizinhança ficou preocupada, Dona Saudade já não vinha mais trazer mudas de lembranças, xícaras de carinho e assim a vila entrou em crise. Sentiam falta de terem a Saudade e de como ela era necessária na vida deles. Até que um dia, uma idéia surgiu e durante a noite, enquanto a velhinha dormia, entraram em sua casa. Escreveram em sua testa 3 palavrinhas e abriram a cortina, assim logo pela manhã quando ela acordasse teria uma surpresa. O Sol tomou conta do quarto anunciando que era hora de acordar. Dona Saudade acordou assustada, com um pouco de dor nos olhos e foi logo tateando seus óculos na mesinha ao lado. Assim que pôde enxergar bem, se viu num espelho a sua frente tendo a testa borrada com letras garrafais e disse em voz alta o que estava escrito: "eu te amo". Por um instante, buscou os cabelos brancos do velho até que se deu conta de que, na verdade, tudo o que havia feito durante anos ao lado dele era se amar. Se amava quando fazia o tal bolo preferido, quando plantava as lembranças, se amava aprendendo a dividir os sonhos, quando fazia história... Se amava vendo que tudo o que foi, valeu a pena, que se fez diferença. Se amava aprendendo como amar! A Saudade passou a aceitar a falta que as pessoas acabam deixando e naquele dia decidiu que chegaria de mansinho de casa em casa, de coração em coração, fazendo companhia a todos que se achavam sós, ensinando como plantar lembranças, como admirar o passado, como saber lidar com os detalhes que o coração atenta, mesmo que o destino nos tire algo que pensamos ser nosso e que na verdade, é dele.

30 de julho de 2009

Na calçada de lá


Soundtrack: Kate Nash - Birds

Mas vou arriscar nessa, comecei a te aceitar com humildade, assim como comecei a aceitar tua falta. Só que deixei dessa de "preto e branco" combinando com melancolia, me pintei aqui dentro de amarelo. Agora, passei a deixar as coisas passarem e quando dá vontade eu enfio na frente, na esperança de alguém pular para me salvar, pular junto, o que seja. Ou até na idéia de eu me deixar ser atropelada mesmo. Dia desses estava eu andando na calçada e um caminhão de coragem vinha chegando. E olha, eu tava muito a fim de ser atropelada! Na verdade, eu tinha cansado dessa de viver tentando te achar por aí, tinha cansado de você não viver dentro daqueles prazos de validade. Na verdade, não queria te perder fácil feito requeijão, mas queria você meio gelatina. Sabe? Que mesmo quando a caixa tá ficando empoeirada, quando você tira o saquinho lá de dentro e taca na água quente, fica gostoso do mesmo jeito, até pra beber na hora. E nessa brincadeira, eu seria a água, ali a toda hora, esperando para ser fervida. Durante alguns segundos, enquanto a coragem se aproximava o desejo tomou conta de mim por inteira e eu pulei. Eu apertava os olhos, ainda com medo do choque, quando olhei para o lado e te vi na calçada de lá. Me olhando, mas não me entendendo. Vi numa fração de segundos que os seus olhos não me pediam para te esperar, não me diziam: eu vou pular também, eu vou com você... O caminhão de coragem bateu, passou por cima e quase não me fez olhar para o outro lado para ver que outra pessoa tinha pulado comigo. Talvez seja importante mesmo a tal história de não olhar só para um lado. É bem verdade que te quero bem, que te deixo na parede da memória, que você se tornou um grande amigo. Só que agora faço questão de olhar por quem me olha, por quem me quer pintada de uma cor a cada dia. E do fundo do coração, sabe o que eu te desejo? Muitas ruas, com muitos caminhões... Mesmo que você esteja na calçada de lá.

26 de junho de 2009

Metamorfose


Soundtrack : Sei lá... A vida tem sempre razão - Vinicius de Moraes

Hoje tive uma conversa com meu espírito e ele me pediu, ainda que sussurando, para ser gente grande. Fiquei tentando realizar em pensamentos o que isso quer dizer e me dei conta de que não sei muita coisa nessa vida. Eu até sei que é normal a gente sobreviver nessa travessia meio louca, misturando a realidade com a espera de respostas vindas de algum lugar. Misturando o mistério de viver com o próprio desejo de explicações até o último segundo. Mas eu, enquanto criança que sou, nunca tinha ouvido falar, por exemplo, dessa fragilidade de ser alegre. Ando percebendo que em grande parte das vezes a alegria é fácil de ser roubada e acabamos deixando. Pode ser também que seja só efeito da gravidade ou desse Sol que anda queimando a gente por dentro e fazendo a felicidade evaporar, feito ópio, coisa assim. A verdade é que nada anda bem explicado e ser gente grande menos ainda. Que em toda perda a gente acaba doendo, isso eu sabia. Mas em meio a todos esses sentimentos de gente grande, é preciso que haja a urgência infantil da esperança e da coragem. É preciso que se abrace a necessidade de ser feliz, que se aceite as bençãos, que se viva os dias, que se ame, que se mude, que se recuse e que também se perca! É preciso estender as mãos para que se receba a vida, sem deixar que a felicidade caia por descuido nosso. E é preciso que, assim, se molde a vida com as próprias mãos. Hoje decidi virar gente grande. Decidi me inventar extremamente feliz, misto de angústia e doçura. Me inventar meio inquieta na necessidade de entender tudo, mas preferindo a falta de fronteiras do não entendimento. Hoje decidi ser livre... E que assim seja!

5 de junho de 2009

De repente, não mais que de repente


Sountrack: Sia - My love

Talvez ninguém saiba ainda o momento exato em que se acaba um sonho. Eu mesma costumo confundir falsos desejos com sonhos. Mas hoje descobri onde a “alguma coisa”, a qual ganhou teu nome, morreu. Foi logo aqui em mim, num fechar de olhos, nas curvas das pálpebras. Morreu numa lágrima, seguida de duas, três, quatro... O difícil foi impedir as mãos de limparem as lágrimas sinalizando a última vez, sinalizando o fim e dando lugar ao necessário amor próprio. Uma limpeza dizendo não ao amor por pura rendição! Foi momento de redenção, como se ao mesmo tempo a necessidade fosse pedir que limpasse sim e que provasse que carregar pouco sentimento dos outros nos ombros não pesa, mas também não faz diferença. Talvez, só talvez, eu quis que as coisas tivessem sido diferentes. Mas enquanto te tirava de mim em cada gota, consegui me imaginar em outros momentos, sofrendo mais e mais, tentando me adaptar a esse seu jeito fácil de levar as pessoas. Talvez foi só um erro. Erro ao ter imaginado uma linha na palma da minha mão para tentar descobrir qual seria o nosso futuro, enquanto na verdade essa linha nunca existiu. Muito menos, nós dois! Só sei que hoje em cada rua que andei vi tudo que era teu aqui dentro sendo atirado para trás em cada passo que eu dei adiante. E sei também que ainda te verei ficando para trás, perdido em meio a tanta esperteza, sendo quase carregado pelo vento por ser tão vazio. Eu queria sim, te encontrar um dia por aí, te chamar para tomar um café num dia frio e poder olhar no teu rosto sem qualquer receio, porque a cicatriz já vai estar no lugar, num “objeto vermelhinho” que fica aqui dentro de mim e que você não verá mais. Sabe, talvez agora o mundo comece por aqui e seja a hora de eu tirar uma outra pessoa de dentro da mala. Essa pessoa sou eu, lotada de coragem. Sou eu que me guardei para o dia que você fosse embora.

19 de abril de 2009

Abrir... Abril... Abriu!


Soundtrack: 311 - Love Song

Na verdade, domingo é dia bom para escrever. E sendo assim, decidi falar de você... Não exatamente de você, homem, que em seu estado amplo de masculinidade, se considera o melhor ser humano da face da Terra, só perdendo para o Super Homem, pelo irônico fato de que ele deve ser de outro mundo. E esquecendo de kriptonitas ou quaisquer outras coisas que pudessem te transformar, eu decidi falar de um alguém que eu acabei criando e botando teu nome. O processo de invenção começou num dia real em que você descobriu duas pintas, que se localizam simetricamente nos meus braços. Tudo bem que falando assim não soa romântico, nem nada. Chega a parecer engraçado, mas foi como se você tivesse visto algo em mim que eu mesma nunca havia visto. O processo continuou durante uma noite. Mas imaginei que o tempo de interesse e encantamento no projeto duraria o mesmo tempo de um apreço por aquelas músicas que você ouve por aí e acaba ficando "meio viciadinha". Na verdade, pensar em você não envolvia nada daquelas coisas de listas de nomes do futuros filhos, sabe? Isso acalmava um pouco o coração. Te criei meio maroto, curtindo aquele tipo de música bacana, gostando de ver filmes e sabendo ser crítico. Te criei fazendo barba com aquelas maquininhas barulhentas do meu pai e depois ainda passando aquele gel pós-barba que cheirava a banheiro de clube. Classifiquei você na ficha do processo de invenção como iniciante em dança, para que um dia eu pudesse te ensinar a pelo menos usar os três dedos nas costas, na hora do forró. Te criei meio louco, colecionador de cartões de visita, fã de Maria Bethânia. E fui te criando... Criando... Acreditando! Até que em meio a mentirinha em que te fiz, eu virei a mentirinha. Me vi perdida e enganada, sem nem entender porquê. Apesar do jeito de fumar igual ao do meu avô, eu ainda preferia me remeter às lembranças da minha criação. Era mais encantador do que você fazendo hora com a minha cara (num português bem direto) e o jeito agora era queimar os papéis do projeto. Confesso que só de ter começado a gostar de você, já me considerei uma pessoa corajosa. Queimar tudo que eu tinha pensado de você então seria fácil. Até o dia em que eu te vi de novo e achei meio insano eu orar por qualquer salvação, sendo que eu não ía perder tanta coisa se, na fôrma do meu projeto, te guardasse na minha gaveta. E daí, olhar e ler aquilo que eu te criei de vez em quando não mataria... O perigo foi que ao guardar o seu outro eu, comecei a te ver da forma verdadeira, muito além do jeito de fumar igual ao meu avô. E ficou perigoso! Cheguei a conclusão de que o problema não é a sua personalidade, o problema é ter esquecido de que você tinha que ser aquela música que a gente fica "meio viciadinha". O problema é te deixar entrar aqui dentro, a cada segundo. É a tal história, qualquer fé, ainda que pouca, já salva! Mas isso, deixa para outro domingo.