29 de novembro de 2010

Porquinho rosa de vidro



Soundtrack: Los Hermanos - O Vento

Quando criança ganhei um daqueles cofrinhos de vidro. Era um porquinho rosa, que veio acompanhado das frases do meu pai: esse cofrinho é pra que você aprenda a poupar e assim, quando um dia te der vontade de quebrá-lo, possa ver o quanto conseguiu guardar. Lembro que ele me disse que guardando as coisas lá dentro, um dia eu teria um saldo positivo. O tempo foi passando e a cada dia eu sentia que meu porquinho ficava mais pesado. Eu fazia massagens na minha irmã por 25 centavos e lavava as louças por 50 centavos. Minha avó era uma contribuidora forte, sempre que me visitava levava algumas moedas, que se uniam aos trocos das compras de verduras da minha mãe. O tempo foi passando e acabei esquecendo do cofre. Um dia, já mais velha, achei o presente do meu pai bem no fundo do guarda-roupa. Pensei em quebrá-lo e foi então que me veio uma idéia. Já pesado de moedas, eu não queria mais que aquele cofre guardasse dinheiro e decidi começar a depositar pedaços de papéis lá dentro. Cada papel teria algo que eu aprendi e o nome de quem me ensinou. Era uma experiência construtiva, eu me sentia na urgência de guardar tudo aquilo pra mim, mesmo que fosse dentro de um porquinho rosado de vidro. E continuei com esse ritual, até o dia em que já não cabiam mais papéis, o que sinalizava a hora de quebrar o cofre. Criei coragem, quebrei. E então vendo os papéis misturados às moedas pratas, douradas, velhas, usadas, cheguei a conclusão de que tinha um tesouro na minha frente. Muito além de uma brincadeira de criança, passei a imaginar por quantas mãos tudo aquilo passou até que chegasse em mim, assim como por quantos ouvidos tinham passado as frases que se guardavam nos pedaços de papel. Me dei conta de que meu cofre era como uma vida. Vamos ficando velhos, gastos... Vamos simplesmente passando pelas mãos das pessoas, se não passamos a perceber que sempre teremos o mesmo valor. Mesmo quando guardados lá no fundinho do guarda-roupa de alguém, no final, sempre seremos nós e teremos o valor que nos damos. Valor tal que vem escrito na nossa moeda e que não aceita pechinchas, nem fiado. No fim, todas essas moedas encontram alguém, mesmo que se demore para quebrar o cofrinho e começar a espalhá-las por aí. No fim, são como as frases que a gente vive guardando, escrevendo nesses papéis que montam corações de origami. Guardamos tudo, em letrinhas miúdas, letra bonita ou letra feia. Guardamos e não dividimos. Esperamos alguém quebrar o cofrinho para que tenhamos coragem de repartir. Talvez seja medo de não sermos capazes de ajudar alguém a montar um origami tão bonito aos olhos do outro. Talvez seja preciso se misturar aos cacos, seja preciso doer e acabar se machucando para que se veja que está nas nossas mãos montar o origami mais bonito, aos nossos olhos. No fim do dia, cheguei à conclusão que meu pai tinha uma ótima intenção, mas cofrinhos não funcionavam comigo. Cansei de me poupar, passei a querer tudo exposto. Não adianta me pedir pra guardar as coisas em busca do saldo positivo. Gastei todo o dinheiro comprando um cd dos Los Hermanos e muito, muito papel pra escrever. Passei minhas moedinhas pra frente, assim como passo a frente, no meu cofrinho aberto, tudo que sinto e aprendi. Esse é meu saldo positivo. Fica a lição do porquinho rosa: não adianta se poupar quando se é moeda circulante, quando se tem um coração origami cheio de coisas pra falar. E essa sou eu, pai.

2 comentários:

Nicole Freixo disse...

INCRÍVEL.
adorei a história, a metáfora, tudo.

parabéns :*

Luiz Hozumi disse...

hoje fazem uns porquinhos com aqueles fundos falsos. talvez para aquelas pessoas que não conseguem quebrá-los, ou ainda para aquelas que não conseguem guardar nada, já que a qualquer momento pode se abrir e retirar tudo, esvaziá-lo e começar de novo, sempre no mesmo cofre intacto ou sempre no mesmo cofre já quebrado, disfarçado pelo fundo falso. Eu tenho um assim.

Gostei do texto, é bom conhecer como é a pessoa por trás das palavras.