15 de outubro de 2012

Sentença do emotivo



Soundtrack: Keane - Somewhere only we know

O problema da pessoa emotiva é que ela valoriza muito o que deve viver. Não é que falte entendimento, não é que o coração não soluce pedindo arrego, simplesmente é uma opção: opta-se por viver aquilo que sempre exige sentir demais. A pessoa emotiva é daquelas que chega a contabilizar quantos medos estão no seu coração em um domingo, às 2 horas da manhã. E acorda na esperança de que o sono tenha solubilizado pelo menos uns dois deles pela manhã. A pessoa emotiva se analisa, tentando observar no passado qual o traço dessa loucura que é amar integralmente todas as coisas que absorvem dela o simples fato de sorrir sem vergonha. A pessoa emotiva hiperventila, ela se autodilata, aumenta a permeabilidade de todas as suas membranas quando se ameaça um simples silêncio ou qualquer primeiro passo para um gostar, ou esquecer, ou deixar ir, ou não permitir. A pessoa emotiva acorda no meio de um abraço pensando se as frases estão se repetindo, se a história está crescendo, se ela está sendo justa com as suas expectativas ou se é só mais um medo pra passar a noite, enquanto a verdade é que não consegue assumir pra si que em qualquer história, alguém nunca vai conseguir se salvar em um dos parágrafos. Enquanto ela não assume pra si que ser emotiva é um estado que sempre a deixa na lista dos que não se salvam.
A pessoa emotiva é aquela que teima em ficar, mas também teima em sair. E no final de tudo, repetidamente, cai no mesmo ponto: o cansaço cíclico. Em algum momento, os dedos já perderam a força de tentar segurar o tempo das coisas e é exatamente por cansar, que o emotivo continua tentando. Porque é bonito. Porque exige alma. E porque também dói. O que a maioria dos não-emotivos não entendem é que doer não anula a possibilidade de ser feliz. A dor de qualquer um só fica guardada em alguns cantinhos e vezenquando se volta lá pra buscar. Nesses dias de dúvida, o emotivo decide (mais uma vez) que vai caminhar numa estrada com placas de aviso afixadas, em letras garrafais de cor vermelha, delimitando seus limites de espaço pra se proteger dos sentimentos desavisados. Até que um dia, num cochilo durante o horário de resguardo, um sorriso sequestra qualquer medo, arranca as placas, a segurança cai e o alarme berra. A verdade é essa: o emotivo não descansa, não entra em desuso. Ele ama muito e ama menos, mas nunca deixa de amar. Não tem imunidade, não tem coerência. O emotivo é aquele que vive exausto nos finais, que sempre se pergunta se cheirou o pescoço do outro do melhor jeito, que faz da felicidade uma eterna pergunta e assobia a dor do jeito mais lindo. É aquele que olha a lembrança e não sabe se a queima ou se queima a si. É aquele que no fundo nem sabe se é ele ou se é outro. O emotivo é o sonho de qualquer racional que queira saber o que é amar, doer... O que é ser metade sempre pronta pra ser inteira.

16 de setembro de 2012

Sobre uma certa pessoa errada



Soundtrack: Death Cab For Cutie - Transatlanticism 

Estou aqui, te dando o poder de decisão. O tempo de pensar se o personagem principal sou eu. Ou se é você, me fitando, ainda tentando entender se sou uma vírgula ou um ponto final. Te dou o tempo de tentar me ver além dos farelos da minha indecisão misturada com medo, na espera de que no final de tudo eu acabe inteira, dessa vez. Chego mais perto e encosto no seu braço, como quem esbarra sem querer. Arrepio. Não sei se é arrepio bom ou daqueles quando o giz risca o quadro, esse que quer dizer: isso não vai dar certo. Quase arrisco a perguntar se você também sentiu esse arrepio. Se você também quis esbarrar em mim e fazer tudo parecer lance do acaso. Mas tenho medo de que o seu não destrua o jardim que eu já imaginei pra gente rolar na grama, que ele leve embora o meu sim ou até o meu talvez. E aí a gente continua ali, perto, fingindo o brilho no olhar, quase ganhando o Oscar de melhor "escondendo que se gosta". A gente troca umas risadas, fala do passado, evita falar do futuro, quando o que mais se tem vontade de dizer é o quanto a gente queria bagunçar nossa vida com essa coisa toda. Parece que a gente precisa fingir que é tudo tão dificil, só pra ter a emoção de colocar tudo a prova. Ainda tento regar a esperança de que você seja aquele cara idiota, fajuto e carente, igual a tantos outros, que eu prometi pra mim mesma não gostar. Mas a única coisa que passa pela minha cabeça é o tamanho do seu abraço e do quanto eu caberia ali, feito um domingo encostada no braço do sofá. Chego a pensar que as pessoas até ficaram mais legais depois que você apareceu, que talvez valha a pena chegar mais perto e te dizer que seu cheiro é mais gostoso quando é o meu nariz que te cheira. Que talvez você aceite ficar ao meu lado, porque a gente já se cruzou mesmo nesse caminho meio torto e incerto e agora só resta a gente sorrir mais do que o rosto pode suportar. Chego mais perto de você e quase consigo te imaginar tirando a blusa, caindo em cima de mim e dizendo que faria isso quantas vezes fosse preciso só pra me ver te olhando daquele jeito, meio que virando os olhos, como quem acha que aquilo é errado. Te olhando, começo a rir por dentro e concluo que nossas maiores vontades estão nas nossas maiores resistências. Que a gente só tem medo daquilo que tem espaço num cantinho da cabeça, mesmo que a gente não queira pensar. Que a gente sempre prefere o que é errado e verdadeiro, ao que é certo, mas não oferece amor no caminho. Então, você decide: a gente vai ser feliz agora ou um dia? Até lá, me deixa imaginar que eu sou o domingo e você é meu sofá.

9 de agosto de 2012

S.O.S



Soundtrack: Yann Tiersen: Comptine d'Un Autre Été

Salvem o amor. Sejam maleáveis como a água dançando em um copo, sejam firmes como o abraço, sejam bobos como os apaixonados. Salvem os domingos tediosos com pipoca e beijo, salvem os abraços de conchinha, aqueles em que se cansa 10 minutos depois, mas que parece ser a bíblia da comunhão. Salvem o amor. Aquele que rouba a coberta enquanto o outro dorme, da barba na nuca até o fim do dia, até nunca mais. Salvem aquele amor que se pega, se deixa, se odeia por minutos, se ama por uma noite. Se ama pra sempre ou aquele que nunca mais vai se amar (até o nascer do sol). Salvem aquele amor que aconchega, que une os narizes gelados com o vento na rua, que une os olhos, que une as mãos. Aquele que te salva de um coma sentimental, que te apresenta a felicidade, que senta no seu colo e quando você tenta fazer o mesmo, veste uma cara de que você pesa uma tonelada pra ganhar um tapinha seu. Aquele que te deixa com cara de brava só pra te ganhar com os dedos, que passam pelos seus cabelos como quem limpa o resto da cobertura do bolo. Salvem o amor, aquele com o gosto do primeiro gole de cerveja, com o gosto desajeitado do primeiro beijo, com gosto de água depois da comida salgada, mas com o mesmo cheiro de sempre. Salvem aquele amor que dirige e bota a mão na tua perna, como quem diz "eu te guio". Aquele que anda e bota a mão na tua cintura, como quem diz "eu te seguro". Salvem o amor, com um laço perfeito, sem embrulho caro, mas com a velha desculpa de que "não sabia o que escrever no cartão". Salvem aquele sentimento onde ninguém se persegue, mas que ainda assim se precisam. Salvem o amor, com menos calcinha bege, mais cueca boxer, com rendição de atrasos, com perdão de esquecimentos. Aquele que te diz "saudade" parecendo dizer que o time ganhou, que te pergunta se você fechou a janela, se você resolveu seus problemas de gente grande. Aquele que pede a cerveja, que divide a conta, que te dá uma música, que te rouba uma música. Salvem o amor, com menos armadilhas tecnológicas, com mais cama, mesa e banho. Salvem o amor próprio, o amor cego, o amor não-usado, o amor perdido, o amor encaixado, o amor que está por vir. Apenas, salvem-se. Apenas, amem-se, apesar do "se", apesar de.

20 de julho de 2012

Conversando com estrelas



Soundtrack: Bon Iver - Holocene

Por mais de cem vezes tentei repetir: a gente não dá certo. A gente não dá certo, respiro, baixinho. Soluço. A gente não dá certo mesmo. Mas e agora? Existe mesmo esse negócio de pedido pra estrela? Nesse frio imagino as estrelas lá no céu, discutindo: olha lá, mais uma pessoa ali pedindo um amor de verdade. Poxa, estrelinha, dá uma força pra gente aí. Ouve meu pedido, meio questionando, meio tentando entender: a gente não dá certo. Mas o que é o certo? Felizes para sempre, um cachorro peludo correndo na grama e a gente sorrindo feito garotos propaganda de pasta dental? Não sei. Sei que viver isso, assim, não é certo. Essa mágoa, essa coisa esquisita de dizer que "te perdi", mas eu tive você? Essa coisa de explodir, jogar gasolina, botar fogo, falar mais alto que a musica no fundo, só pra você me dizer: a gente não dá certo mais. E nessa frase fica um doce, eu ganho de você um "mais", fazendo acreditar que a gente já deu certo. E aí te olho, digo que você é lindo e você me trata como se eu fosse a tiazona da família, aquela que apertava sua bochecha e dizia: nossa, mas você tá grande, bonito. Não, porra! Eu te acho lindo, porque eu te amo. E por causa disso fico seca. Por causa disso me culpo, porque sempre prefiro ver o botijão explodir mesmo sabendo que você vai dizer isso. É como se ficar perto de você me fizesse entrar numa casa quentinha, com quadros bonitos na parede e com você esperando no sofá, com uma faca e uma flor. É lindo, mas dói. É como ficar surdo pra conseguir sorrir, como ficar cego pra poder sentir. Não digo que te amo pra ter as palmas da platéia, que pega até a pipoca pra me ver ali, tentando redimir meu erros, enquanto você nunca fala em acertos. Ou talvez digo que te amo porque me acostumei. Mas sei lá, eu cansei. Cansei desse medo, de brincar no meio fio e nunca conseguir dar mais de cinco passos seguidos, de não ter um relacionamento com mais de 5 passos, por causa do seu "mais". Felicidade que ficou lá atrás bloqueia caminho aqui na frente, deixa gente aleijada sentimentalmente. A gente diz que dói, diz que fere, vê que sangra, mas ainda assim fica mais fácil do que voltar atrás de "felicidade velha", é como se proteger. Você não diz que foi feliz comigo primeiro, antes disso vem sempre a frase: você me machucou. A gente desaprendeu o caminho. Eu desaprendi isso que é o namoro, cuidado, mãos dadas. E você escondeu todas as pedrinhas que eu tinha deixado pra tentar voltar. Então, fico oca e lá de dentro ecoa: a gente não dá certo. Mas quer saber? Eu dou certo. Eu sou bacana. Eu mereço dar certo. Agora fica decidido que eu quero só gente de verdade, menos expectativa, mais pedrinhas pra novos caminhos, porque eu não desaprendi de amar. E até o texto chegar aqui, já repeti mais umas dez vezes que a gente não dá certo. Falando com a minha estrelinha, decidi fazer um pedido melhor: não quero mais chorar por felicidade velha.

14 de junho de 2012

Entre bulas e remédios da vida



Soundtrack: Caetano Veloso -  Você não me ensinou a te esquecer

E então chego na farmácia e peço: me vê umas doses homeopáticas de uma decisão livre e totalmente cabível a uma felicidade relativamente próxima. O farmacêutico me olha e ri: "isso a gente não tem não, moça. Você é tão bonita, por que a tristeza? Vai ser feliz ou vai acabar sozinha em um bar". Não sei até que ponto pareci uma bêbada, talvez pelas voltas nas palavras, talvez pelo bafo de solidão."Eu gosto de cerveja gelada, moço, mas tô precisando é de solução", essa foi a resposta que um lado profundo de meu cérebro programou. Até que meus pés começaram a se movimentar e me levar. Sensação de "tô por aí?", sacomé? Imagino pelo menos 9 em 10 pessoas que sentem isso agora, essa outra provavelmente está presa numa cadeia. Pois é, essa sensação que faz você vezenquando parar numa esquina e aceitar a dica de um farmacêutico, que prefere te dar uma boa pinga do que um rivotril.
O bar... O bar é um território dos amores. Gosto de dizer isso. Sempre me perco observando as pessoas sentadas, a histórias delas. Imagino amores subversivos, impermanentes. Relato para meu subconsciente pés na bunda, morte de vô, encontro de gay. O bar sustenta um clichê de beleza pessoal, espontânea (ou totalmente derivada do álcool), uma beleza calculada. Sento, cruzo as pernas e relato: as pessoas são felizes acreditando em qualquer coisa. Quem sabe de um olhar ao som de Nando Reis, você ganha um par de escovas de dentes no seu banheiro ou quem sabe, o Nando Reis nunca mais tenha o mesmo gosto. O bar é essa dualidade. Analiso um casal e imagino eles trocando o chiclete, beijando sem escovar os dentes. Criando apelidos, dando beijo de esquimó, saindo para almoçar. E ela treina um strip tease, compra uma roupa nova, faz um fettuccine ao molho branco. Ele muda as músicas do carro, pergunta se ela gosta do perfume, não toma mais café antes de encontra-la. E eles compram pipoca no cinema, se beijam e reclamam das pessoas conversando. Arrebentam nas cenas de ciúmes, brigam por quem ama mais, arrebentam nas cenas de ciúmes (de novo). Conversam enquanto tomam banho, compram almofadas novas para a casa dela, vão ao supermercado e abrem um pacote de jujubas escondidos. Eles decidem que a cerveja é Brahma e que quando tiver mais grana, pode rolar uma Original. E ela diz que ama a barba mal feita dele, ele diz que ama ela de pijama, mas ama mais quando a alça do sutiã fica a mostra (e sonha com ela nua). E eles se abraçam e ouvem Nando Reis, enquanto a mãe dela pergunta sobre ele. Enquanto a mãe dele quase não pergunta sobre ela. E aí o tempo se perde e naquele momento, já nem faz mais diferença o que é aquele bar. O que são aquelas pessoas. Pra eles, eu não sou nada. Eles se bastam, ali, efêmeros, eternos. Eles se bastam ali, nas suas doses homeopáticas de uma decisão livre e totalmente cabível a uma felicidade relativamente próxima.
Eu fecho a conta, volto para a casa, mantenho a dúvida. Penso sobre essa relatividade de acreditar que coisas boas virão, que a gente consegue se sustentar nas mãos dadas. Nessa coisa de apostar no silêncio dos olhares, na instabilidade do destino. Ou nessa coisa de se debater em crer, parar de olhar pro lado, criar o discurso de final, já treinar o tom do desculpa. Sustento essa ideia de que tenho pena da gente, dessa insustentável leveza de aparentar "ser feliz", enquanto estar sozinho é como comer chumbo. Mas às vezes, tenho alegria do que a gente consegue ser, do "eu te amo" sincero, sem precisar de muita coisa, evitando, por gentileza, muito melodrama. Evitando o rancor quando é só "tchau, se cuida" ou quando não é mais nada. Olha, a gente pede tão pouco pra ser feliz, a gente até acredita em trevo de quatro folhas. A gente desvira o sapato e protege as nossas mães todas as noites, a gente acredita nas canções de amor, a gente gosta de sorrir, a gente gosta de amar e ser amado. Então, por que a gente chora? Por que a gente não acredita mais? Por que a gente pede doses homeopáticas de uma decisão livre e totalmente cabível a uma felicidade relativamente próxima? Enquanto me questiono atravessando a rua, eu mesma me respondo. Vejo o farmacêutico entrando no bar e concluo: porque falar é fácil.