4 de janeiro de 2011

Morar



Soundtrack: Patrick Watson - The great escape

Lembro o jeito que você arrumou meu cabelo caído no rosto e com a sua mão direita, firme, levou minha cabeça pra bem perto do teu pescoço. E me aconchegando ali, ouvindo o barulho do vento, sentindo o cheiro do seu desodorante misturado ao da coberta guardada, fiquei pensando se seria mesmo você ali. Se era mesmo o cara sério que nunca sabia o que dizer quando eu vinha armada com as minhas palavras adocicadas. Que não gostava do meu silêncio e dizia "o que foi?", pelo menos 3 vezes, até eu responder "nada", mesmo sabendo da minha mania de olhar para o nada, em meio a tudo. Pensei se era você mesmo, que também ficou calado, sem levantar qualquer questão. Ali, encostada em você, senti medo. Medo de serem poucas as vezes em que você me levasse pra perto do seu cangote. Medo de ser sempre a única a buscar esse cheirinho que fica atrás da sua orelha. De ser sempre a única a querer alugar essa casa que fica logo aí, na curvinha do teu pescoço. Medo de nunca receber auxílio da imobiliária, de não saber nem se tem goteira na casa e ter que descobrir tudo sozinha. Senti medo de você não ter medo de me perder. De você quase nunca falar nada e ainda assim eu te querer. Mas quando você respirou fundo, percebi que talvez não só eu estivesse pensando. Percebi que você parecia eu. Era o meu ritual em você. Olhando para o nada, pensando em tudo. Ali, encostada em você, me senti pequena. Quis ser algo avassalador e mal conseguia te ouvir dizer: "eu também te amo". Via seus lábios mexerem, mas sem qualquer intenção de alguma palavra sair. Eu era a louca, corajosa que dançava com o seu pai, que abria mão do salto alto e cantava as músicas altas no seu carro, mesmo te vendo fazer aquela cara chata. Mas eu mal conseguia te fazer cantar comigo. Eu mexia com todos e você atrás da fronteira. Eu encostava no seu ombro depois de você me levar até lá e ainda assim, te via atrás da fronteira. Só que o mundo parecia chato antes de tudo isso, mais até do que algumas das caras que você faz. Era chato não ter a expectativa do momento em que você fosse dizer algo repentinamente e me fizesse sorrir, feito boba. Era chato não doar meus olhos para alguém, teria sido um pecado não ter conhecido o sorriso mais lindo do mundo. Seria estranho sem o cara estranho e então te adotei. Lá pela quinta respiração funda, enquanto eu ajeitava as cobertas, você soltou um "o que é o amor pra você?". Talvez amor fosse eu aceitar nossas diferenças, querer descobrir suas goteiras sozinha, sem maiores informações da imobiliária. Talvez amor fosse me dispor a ir até o seu ombro, mesmo quando você não me levasse, por saber que os pêlos do seu braço arrepiam quando respiro perto do seu ouvido (e você gosta). Talvez amor fosse descobrir os seus sinais, crer numa hora em que a fronteira vire horizonte. Tudo é questão do tempo e de tempo. Talvez amor fosse isso e mais coisas que eu realmente não poderia explicar. Então me calei, sem responder.
Sem classificar tudo isso em durável ou não, sei que sou a teimosa que mais te quis colocar na lista dos verdadeiros amores da vida. Sei que um dia talvez ache alguma mudança aí dentro de você que eu pude fazer, seja ao se ver cantando alto enquanto dirige. Descobri um jeito de não perder a fé nas pessoas. A cada vez que chego a beira de uma explosão, com direito aos meus cacos de vidro humano, me lembro de você. E de como nesse dia, enquanto eu pensava me sentir pequena, nada avassaladora, pouco eu, você lá pela décima respiração funda disse: "isso não tem que ter explicação, eu te amo e é assim". Eu me calei por alguns segundos. Surpresa, ri e disse: "é, é assim". Deve ser assim mesmo. A questão é que eu ainda estou aqui. E sem explicações, tenho amado morar no seu cangote de gente diferente do que eu sou.

21 de dezembro de 2010

Tributo a 2010


Soundtrack: Maria Rita - Encontros e despedidas

Hoje falarei sobre isso que chamamos de final de ano. Momento crucial de reflexão, em meio às luzes de nossas árvores e o sempre simpático "feliz natal" ouvido após o tchau. Tenho amigos que insistem em não gostar do natal, por pensarem se tratar de um ritual besta qualquer em que você ganha presentes e come pra valer. Eu, sempre considerei muito mais o natal do que o ano novo como data de renovação. Trocar o calendário não se faz mais especial do que refletir no dia do bom velhinho, na minha opinião, claro.
Minha família nunca foi de se reunir muito nos natais, talvez porque ela seja pequena e cheia de picuinhas internas. Mas em casa, temos um carinho especial, entre nós 4 (eu, meu pai, minha mãe e minha irmã) pelo momento em que o relógio marca a chegada do natal. Minha irmã sempre se responsabiliza pelas preces e quando mais nova, eu sempre pensava quanto tempo ela teria pensado pra conseguir falar tudo aquilo tão bem. Tentava imaginar como ela conseguia descrever um sentimento que virava voz, entrando pelos nossos ouvidos e iluminando os olhos dos meus pais. Tinha orgulho daquele momento, mas nunca soube muito bem o que dizer. No final, minha vez era sempre recheada de enrolações do tipo "o ano foi bom, espero que o próximo seja melhor ainda". Ontem, antes de deitar, fiquei olhando a lua bem cheia e tentei me dar conta de tudo que aconteceu esse ano. Impossível fazer um balanço de cada momento, mas de um modo geral consegui visualizar algumas das coisas que poderiam descrever o meu ano de 2010. Fiz amigos incríveis e descobri que a distância demole amizades mal resolvidas. Uberaba me apresentou amigos de farra e amigos de casa. Briguei com meu vizinho de baixo por barulho e briguei comigo por barulho interior. Descobri locais estratégicos de fuga da realidade e descobri novas casas pra morar. Bebi, bebi muito. Tive ressacas físicas e morais, por mim e por outros. Me apaixonei, achei que apaixonei, desapaixonei. Descobri que tenho a séria necessidade de contestar o que pode ser e que tenho preguiça de pessoas que não causam isso em mim. Tenho preguiça de quem não me faz criar planos, seja para os próximos dez minutos. Muito além do diálogo clichê de "odeio gente morna", eu descobri ter preguiça de gente que não causa em mim o sentimento de reboliço interior. Mas 2010 também me trouxe perdas. Perdi gente, perdi carinho, perdi contato. Perdi algumas passadas de mão na cabeça e passei a encarar algumas coisas com o espírito de solidão acompanhada. Sempre acho que falta algo e esse ano tentei fazer minhas própria argamassa pra completar meus buraquinhos. Abandonei a idéia de tentar encaixar pessoas onde elas não cabem e simplesmente comecei a esperar a chegada de alguém que caiba. No quesito faculdade, me confundi bastante. Pensei gostar de coisas que, agora no fim, olho e vejo que ainda não sei como lidar. Dei plantões no hospital. Vi gente saudável fazendo drama, gente doente por dentro e por fora. Criança prematura, faltas de escolhas, faltas de opções, meninas grávidas e solteiras. Criei em mim um teto de vidro, fácil de quebrar, mas totalmente feito pra se tornar uma redoma, separando o que penso do que realmente é. Tive muitos desses sentimentos de que não valorizamos o que temos nas mãos e nos enfurnamos no nosso mundinho, sem saber que existe muita coisa fora da redoma. Tive lapsos de não saber se estava no lugar certo, na hora certa. Tive medo, fui egoísta, fui humana. Tive dias enfiados em pensamentos do que fazer da minha vida nos próximos anos. Tive dias enfiada na cama com preguiça de ir às aulas chatas. 2010 se encheu de dias pesados em contrapartida aos dias leves e aprendi a dizer não para algumas coisas e pessoas. Esse ano fui eu mesma por muitas vezes e deixei de ser eu, evitando conflitos. Fiz 19 anos e me dei o direito de me achar madura por alguns momentos. Senti saudades de casa quando estava em Uberaba e senti saudades de Uberaba quando estava em casa. Descobri que as pessoas não são sempre iguais e eu também não. Aprendi a gostar de açaí e até comi maionese sem saber. Esperei por coisas maiores que eu e tive coisas menores que um alfinete. Não esperei nada de pequenas coisas e elas mal couberam nas minhas mãos de tão grandes no final. Aprendi que algumas coisas devem simplesmente ser ditas, sem burlar a auto-estima de ninguém, mas que sinceridade tem dose certa. Cheirei muita fumaça dos carros, fugi do mundo, fiz do meu quarto um abrigo. Passei mais um ano sem experimentar um cigarro e sem a mínima vontade. Escrevi muito, seja coisas que guardei pra mim ou que mostrei a todos aqui nesse blog... 2010 confirmou a idéia anual de que nunca é fácil se viver 365 dias lidando com alguém cheio de defeitos e qualidades, que no caso sou eu. Mas comprovou mais uma vez que tenho vários modos de viver 365 dias acreditando na mudança, não só da lua lá no céu.
Gosto do Natal porque não me importo com que cor de roupa usar, não acredito que o que eu escolher influencie no que venha. Paz, amor, felicidade, dinheiro... Todo mundo deseja isso e que se foda a cor da sua roupa. Quando a gente quer, a gente corre atrás. E sempre temos o direito de esperar algo maior. No final, todos chegamos ao mesmo ponto: para cada dia temos um destino feito de escolhas, não importando o ano, nem se é páscoa, natal ou o dia de lavar a louça suja.
Feliz natal a todos e um feliz ano novo, cheio de novos amigos, buracos incompletos, pouca maionese e muitas escolhas!

8 de dezembro de 2010

Rua Nós



Soundtrack: Tristan Prettyman - Hello!

Hoje queria de jeito despretencioso te chamar pra tomar um suco de acerola. E te vendo passar pela rua, fingir não ter nada pra fazer e simplesmente falar "vem aqui, um suco vai te fazer bem". Enquanto eu quisesse dizer "vem aqui, um suco com você vai me fazer bem". E então ficaria olhando como suas sobrancelhas são lindas e o jeito com que elas se mexem enquanto você fala. Mais uma vez fingiria não ter nada pra fazer, tendo o seu sorriso como a única coisa bem feita daquela tarde nublada. Eu ouviria tudo que você quisesse dizer e então você comentaria que estava com vontade de tomar um café. E balançando a cabeça, concordaria com meu olhar mais confortante. Você não entendendo nada, perguntaria se eu também queria o café. E segurando um lábio no outro pra não dizer que eu queria você, me perderia nos seus olhos que mudam de cor, falando que um café seria ótimo pra dar uma acordada. E rindo da minha falta de jeito você olharia pro seu tênis sujo, preparado pra dizer algo que te deixaria sem graça. Você diria que eu sou engraçada. Que falo coisas diferentes, mas que sou legal. E não sabendo se aquilo pudesse ser bom ou ruim, eu diria a típica frase: espero que isso seja bom, né? Risinhos medidos, olhares desviados. Um silêncio de uns doze segundos, vendo os carros passarem na rua. Começaria a me questionar, vendo seu rosto de lado, olhando a sua pinta, se isso é certo ou errado. Se é pecado te convidar pra tomar um suco de acerola que vira café, enquanto na verdade você me tomava ali mesmo. Mas nada seria tão errado que não pudesse caber no espaço que sobra todas as noites na minha cabeça, antes de dormir. O que eu quero é tão simples, muito mais simples que ficar te olhando, ouvindo sua voz rouca, sem você ser meu. Sendo castigada com seus dentes brancos e com a sua mania de ficar olhando no relógio. Pensaria eu, que era pressa ou que eu pudesse estar sendo chata e então faria uma piada do tipo "seu apressadinho", na esperança de você dizer "não, eu nem tenho nada pra fazer mesmo". O que eu quero é simples, é você. E mesmo se eu tivesse muita coisa pra fazer, largaria tudo se te visse mesmo na rua. Eu trocaria mesmo o suco de acerola pelo café. Assim como trocaria as roupas de cama, arrumaria a casa, o coração, tudo. Trocaria meu travesseiro pelo teu peito e o barulho dos carros lá fora, por músicas misturadas às batidas do seu coração. Saudável, sem dores, sem maldade, ali, simplesmente batendo no meu ouvido antes de dormir. Trocaria as direções, nos vendo andar na mesma calçada, no mesmo rumo, num destino só. E trocaria qualquer vazio que fosse, pelo vão que sobra entre nossas mãos enquanto enlaço teus dedos. Hoje queria que fosse mais fácil te achar andando por aí, mas sento na lanchonete e sozinha tomo um suco de acerola, enquanto você não aparece para que eu troque por um café. Enquanto você, aí de longe, mexe comigo aqui dentro e me faz esperar por outra lanchonete, outra hora, outra rua que possa ser a nossa. Rua Nós.

29 de novembro de 2010

Porquinho rosa de vidro



Soundtrack: Los Hermanos - O Vento

Quando criança ganhei um daqueles cofrinhos de vidro. Era um porquinho rosa, que veio acompanhado das frases do meu pai: esse cofrinho é pra que você aprenda a poupar e assim, quando um dia te der vontade de quebrá-lo, possa ver o quanto conseguiu guardar. Lembro que ele me disse que guardando as coisas lá dentro, um dia eu teria um saldo positivo. O tempo foi passando e a cada dia eu sentia que meu porquinho ficava mais pesado. Eu fazia massagens na minha irmã por 25 centavos e lavava as louças por 50 centavos. Minha avó era uma contribuidora forte, sempre que me visitava levava algumas moedas, que se uniam aos trocos das compras de verduras da minha mãe. O tempo foi passando e acabei esquecendo do cofre. Um dia, já mais velha, achei o presente do meu pai bem no fundo do guarda-roupa. Pensei em quebrá-lo e foi então que me veio uma idéia. Já pesado de moedas, eu não queria mais que aquele cofre guardasse dinheiro e decidi começar a depositar pedaços de papéis lá dentro. Cada papel teria algo que eu aprendi e o nome de quem me ensinou. Era uma experiência construtiva, eu me sentia na urgência de guardar tudo aquilo pra mim, mesmo que fosse dentro de um porquinho rosado de vidro. E continuei com esse ritual, até o dia em que já não cabiam mais papéis, o que sinalizava a hora de quebrar o cofre. Criei coragem, quebrei. E então vendo os papéis misturados às moedas pratas, douradas, velhas, usadas, cheguei a conclusão de que tinha um tesouro na minha frente. Muito além de uma brincadeira de criança, passei a imaginar por quantas mãos tudo aquilo passou até que chegasse em mim, assim como por quantos ouvidos tinham passado as frases que se guardavam nos pedaços de papel. Me dei conta de que meu cofre era como uma vida. Vamos ficando velhos, gastos... Vamos simplesmente passando pelas mãos das pessoas, se não passamos a perceber que sempre teremos o mesmo valor. Mesmo quando guardados lá no fundinho do guarda-roupa de alguém, no final, sempre seremos nós e teremos o valor que nos damos. Valor tal que vem escrito na nossa moeda e que não aceita pechinchas, nem fiado. No fim, todas essas moedas encontram alguém, mesmo que se demore para quebrar o cofrinho e começar a espalhá-las por aí. No fim, são como as frases que a gente vive guardando, escrevendo nesses papéis que montam corações de origami. Guardamos tudo, em letrinhas miúdas, letra bonita ou letra feia. Guardamos e não dividimos. Esperamos alguém quebrar o cofrinho para que tenhamos coragem de repartir. Talvez seja medo de não sermos capazes de ajudar alguém a montar um origami tão bonito aos olhos do outro. Talvez seja preciso se misturar aos cacos, seja preciso doer e acabar se machucando para que se veja que está nas nossas mãos montar o origami mais bonito, aos nossos olhos. No fim do dia, cheguei à conclusão que meu pai tinha uma ótima intenção, mas cofrinhos não funcionavam comigo. Cansei de me poupar, passei a querer tudo exposto. Não adianta me pedir pra guardar as coisas em busca do saldo positivo. Gastei todo o dinheiro comprando um cd dos Los Hermanos e muito, muito papel pra escrever. Passei minhas moedinhas pra frente, assim como passo a frente, no meu cofrinho aberto, tudo que sinto e aprendi. Esse é meu saldo positivo. Fica a lição do porquinho rosa: não adianta se poupar quando se é moeda circulante, quando se tem um coração origami cheio de coisas pra falar. E essa sou eu, pai.

21 de novembro de 2010

Entre duas mãos



Soundtrack: Colbie Caillat & Jason Reeves - Droplets

Escrevi seu nome num guardanapo de bar. Escondida num sorriso amarelo, fingi estar só brincando com o papel. Dei três dobrinhas e pus entre as duas mãos, como se te protegesse ali dentro da minha conchinha. Enquanto todos falavam, guardei teu lugar na cadeira ao lado com a bolsa. Não querendo bancar a louca, mas acho que eu esperava uma daquelas mágicas em que você pudesse aparecer. Entre um sorriso e outro olhei o celular. 21:48. Então, veio o garçom com aquele tom de voz que todos eles parecem ter, sempre acompanhados do "e aí, o que vocês vão querer?". No fundo, todos eles sabem o que nós queremos. Entramos nos bares, pedimos a cerveja, damos risada, ouvimos música e reclamamos de pagar o couvert. Quando queremos mais cerveja, só tiramos a garrafa do protetor e o garçom começa a encher o papel da conta de risquinhos, até ficarmos todos alterados, aumentarmos o volume da risada e elegermos alguém bom de matemática ou menos bêbado pra cuidar da conta. Só que quando ele questionou o que todos queriam, uma resposta comunitária foi contra o que eu pensava. Todos queriam cerveja. Eu quis pedir você. Mas só consegui descansar os cotovelos na mesa e ter um copo na mão. Historicamente, eu era a imagem de alguém tentando ser feliz sentada e sem poder fazer nada. Me levantei e fui ao banheiro, com minha carga de lamentações nas costas, esperando jogar tudo num vaso e sumir pelo ralo. Como num desfile, o espelho do banheiro estava tomado por várias meninas sorrindo e passando batons rosados, daquela nova moda "cor de boca". Em meio àquelas roupas e seios grandes apertados nos decotes, só consegui meu único sorriso amarelo. E esse foi por não poder dividir da minha esquisitice contigo. Não lamentei abrir a bolsa e dar de cara com um livro do Saramago ao invés de um batom. Também não guardei o espaço na cadeira para alguém que só gostasse de seios grandes. Lembrei do jeito com que você falava dessas coisas fúteis, mas confesso que pensei se numa hora daquelas você não estaria borrando uma daquelas bocas rosadas em outro lugar, sem ao menos pensar na minha esquisitice e nos meus seios pequenos. Abri a torneira e pensei em jogar uma água na cara, descer logo daquele salto, mas minha esquisitice não usa maquiagem todo dia (muito menos salto). Sentei novamente na mesa e minha amiga questionou porque eu estava tão inquieta. "Eu, inquieta? Imagina! Tô esperando o show começar". Olhando os caras da banda reparei no guitarrista tatuado. Ele era charmoso e usava uma camisa xadrez. Naquele momento pensei como é fácil achar as outras pessoas lindas quando se espera por alguém que não chega. Ele cantava de um jeito rouco, seduzia os olhos e os ouvidos de todas as meninas, inclusive as do batom rosado. Até que eu comecei a perceber como ele deveria ser chato, porque não dava espaço para o baixista aparecer e ficava o tempo todo jogando o cabelo pra trás de um jeito irritantemente sou-o-melhor-guitarrista-de-todos. Mas a música era boa, talvez você gostasse, talvez você estivesse comigo ali ao lado na cadeira quando tocaram Metallica. Ali, sentada, pude constatar a humildade em tentar te guardar entre duas mãos, enquanto eu nem sabia me guardar de todos esses sentimentos. Ali, quis ganhar um pouco do seu carinho e me curar daquele tédio, podendo rir de graça meu sorriso mais colorido (e nada de amarelo dessa vez). Quis não precisar de guardar a cadeira e nem de te embrulhar num papelzinho só pra você estar ali. Quis insistir em nós, em você que é lindo até calado, que não precisa de uma tatuagem pra ser sexy, bastando só passar a mão no cabelo daquele jeito ou me olhar com cara de sério. Quis avançar o passo, te escrever uma mensagem, pedir pra você ficar só comigo. Mas aquela confusão toda era só desejo de ser algo certo e isso nem eu sinto que sou comigo mesma, a senhora esquisita. Dei sua cadeira para uma moça que estava em pé, rasguei o papelzinho amontoando os pedaços entre os restos de uma porção de mandioca finalizada. Não preciso disso, não preciso desse ritual. De alguma forma, acredito que você não vai estar borrando bocas rosadas e mudas, talvez, quem sabe alguma boca que te fale algo legal. Acredito que certamente você olha para aquela sua amiga que de interessante só tem os peitos e enquanto isso eu olho aqui para o cantor sexy e metido da banda. Nosso livre arbítrio é olhar, mas lá no fundo saber o que queremos. Também sei que lá no fundo tem coisas que você só conta pra mim e que gosta do meu jeito, sem o batom na bolsa. Te espero, mesmo sem você ter me pedido, mesmo que às vezes eu chegue no limite dessa querência de você aqui. Espero, porque lá no fundo eu sei que o seu sorriso sem graça sempre diz pra eu não desistir de você. E eu gosto da sua honestidade, mesmo às vezes nada escancarada. Mesmo com seu silêncio, que não cabe entre as minhas duas mãos.